Carta de uma feminista a Nicolau II

8 de março de 2018 805

Talvez você não lembre, por que lembraria? mas foi o ato de um grupo de mulheres que precipitou a revolução que derrubou seu império. Era 8 de março de 1917, e operárias da indústria têxtil entraram em greve. Elas protestaram contra a fome, a entrada da Rússia na Primeira Guerra Mundial e o seu autoritarismo, mas foram violentamente reprimidas pelas tropas do seu governo.

Mas veja que ironia, czar: o mundo dá voltas. Mais de cem anos depois, aqui em 2018, o 8 de março é o Dia Internacional da Mulher. Transformamos um episódio de extrema violência contra nós em uma data para celebrarmos conquistas e afirmarmos que ainda há muito a fazer.

Quero que você saiba que este século que passou desde aquele 8 de março foi nosso. Conquistamos o direito ao voto, ao trabalho, à educação. Somos a maioria nas universidades, temos independência financeira, escolhemos se queremos casar e ter filhos, algumas de nós comandam empresas, há aquelas que governam países. Somos livres!

Mas não foi fácil. Fomos escravizadas, violentadas e abusadas de tantas maneiras, que só mesmo um desejo profundo por liberdade, equidade e justiça poderia se manter de pé. E ele se mantém e se renova.

Cada uma de nós, mulheres de 2018, tem seu panteão próprio, formado por aquelas cuja luta nos impactou e formou. No seu isolamento monárquico, você não deve ter ouvido falar de Olga Benario, Rosa Luxemburgo, Virginia Woolf, Leila Diniz, Conceição Evaristo, Fatema Mernissi, Pagu, Angela Davies, Simone de Beauvoir. Aliás, sabia que o panteão francês, aquele em cujo prédio há a inscrição “aos grandes homens, a pátria reconhecida”, irá receber Simone Veil a partir de 1º de julho? Uma feminista!

Há uma nova geração de mulheres disposta a combater as injustiças que perduram e a levar nossas conquistas a todas. São muitas as vitórias, mas ainda ganhamos menos do que os homens, somos minoria nos parlamentos e em postos de comando nas grandes empresas. Pior: ainda há um enorme número de mulheres que sofrem abusos morais e físicos, que são assassinadas, muitas vezes pelos próprios companheiros, mutiladas por razões religiosas, encarceradas com filhos recém-nascidos nos braços.

No ano passado, um novo presidente tomou posse nos Estados Unidos, um daqueles homens que pensa ser czar, ainda há muitos assim, acredita Nicolau? Até mesmo na Rússia! Enfim, as atitudes bestiais do czar americano levaram milhões de mulheres às ruas em centenas de cidades no mundo. Mesmo aqui no Brasil, você sabe onde fica?, estamos unidas, alertas e organizadas nas mais diferentes esferas. Recentemente, o nosso “Não é não” ecoou no carnaval. É que os czares tropicais são bananas de pijamas, daqueles que acreditam viver numa época parecida com a sua, em que a mulher era um objeto quase inanimado destinado a cuidar dos filhos e da organização da casa. Resultado? A cultura da violência nos tornou o quinto país no triste ranking do feminicídio.

Antes que eu me despeça, Nicolau, quero lhe falar da luta de classes. Sei que é um tema difícil para você, mas posso garantir que ela existe e que durante muito tempo nos dividiu. A glória deste 8 de março de 2018 é que entendemos que há entre nós mulheres privilegiadas e aquelas que continuam sendo abusadas e silenciadas. Por isso, estamos construindo um novo feminismo, em que todas têm voz, do qual somos todas protagonistas.

Apesar dos czares, não vamos permitir que uma mulher negra ganhe menos do que uma branca, que uma mulher pobre não consiga exercer a maternidade plenamente, entre tantas outras injustiças. É a nossa razão para continuarmos. Como disse Oprah Winfrey, uma mulher fenomenal, cujo sucesso, aqui em 2018, você não compreenderia: o tempo acabou. #timesup.

Dia 08 de Março – Dia Internacional da Mulher!