Caso Urban: Uma história de violência que só precisava de ser filmada?
Vai ficar conhecido como o caso do vídeo polémico filmado à saída do Urban Beach, mas o comportamento é repetente, vai até além das 38 queixas apresentadas à PSP ao longo deste ano, porque faltam os anos anteriores.
“Esta não é a primeira vez que as questões relativamente à segurança naquela zona, e neste espaço em particular, são colocadas. Não é a primeira vez que dialogamos com a Polícia de Segurança Pública e com o Ministério da Administração Interna sobre este espaço”, referiu Fernando Medina, na sexta-feira, após se tornar conhecida a decisão de encerrar o espaço de diversão noturna durante seis meses.
O presidente da Câmara Municipal de Lisboa tem razão, já não é a primeira vez. Desde casos de racismo e discriminação até situações de violência gratuita, as queixas foram surgindo por parte de cidadãos anónimos e de personalidades mais conhecidas, mas o local de onde brotavam tantas denúncias esteve sempre aberto ao público. Porquê?
"Fui ao chão, agarrou-me pelo pescoço, levantou-me e pôs-me na rua"
Iago San Marcial Comesaña, de 22 anos, é um jovem natural de Vigo, na Galiza. A 21 de novembro do ano passado, numa sexta-feira, foi com um grupo de amigos ao Urban. “Estava na discoteca, passei por um segurança e, não percebi como, bati contra ele. O segurança deu-me logo um murro de um lado e depois do outro. Fui ao chão, agarrou-me pelo pescoço, levantou-me e pôs-me na rua”, descreveu o espanhol, por telefone, ao Notícias ao Minuto.
Na rua, fora do estabelecimento, estavam elementos da PSP, segundo descreve o jovem. “Viram-me todo ensanguentado e quiseram saber o que se tinha passado. O encarregado da discoteca trouxe alguns seguranças cá fora mas não trouxe o agressor”, recordou.
Iago chegou ao Hospital de São José para descobrir que tinha sofrido uma fratura no maxilar e teve que ser operado no dia seguinte. Quando recuperou fez queixa na Esquadra de Turismo da PSP, nos Restauradores.
“Há cerca de uma semana chegou-me uma carta do tribunal de Lisboa a dizer que o caso ia ser arquivado por falta de provas, porque não encontraram nada nas câmaras”
A empresa de segurança PSG, responsável pela segurança na discoteca Urban Beach, não prestou declarações ao Notícias ao Minuto, remetendo todas as respostas para o comunicado que emitiu na sexta-feira, onde repudiou qualquer tipo de comportamento agressivo e garantiu que vai tomar todas as diligências para punir os responsáveis.
O Urban tornou-se a face reconhecível para este caso mas não esta violência reiterada - por passar incólume - não é exclusiva deste espaço, nem da cidade de Lisboa. Hélder*, de 24 anos, e Fábio*, de 30 anos, os dois naturais de Portimão, descreveram ao Notícias ao Minuto situações semelhantes na zona da Praia da Rocha.
"O que não falta são casos de agressões na Praia da Rocha, de seguranças da PSG"
Hélder descreve um episódio ocorrido na madrugada de 22 de janeiro de 2016, quando um segurança saiu do seu turno e foi confrontá-lo, juntamente com vários colegas, por causa de um problema pessoal. “Eu sou uma pessoa pacífica e tentei explicar-me mas ele agrediu-me logo ali. Mais nenhum indivíduo agiu porque a primeira agressão foi suficiente. Os outros estavam lá para entrar em ação caso fosse necessário”, indicou, explicando que estava com amigos mas que nenhum interveio com medo.
“Fui para o Hospital de Portimão, tinha uma dupla fratura do maxilar e entretanto tive que ser operado de urgência no Hospital de Santa Maria em Lisboa”, acrescentou, indicando que eram todos seguranças da PSG e que estavam fardados. “Eu não fui o único caso, o que não falta são casos de agressões na Praia da Rocha, derivado de seguranças da PSG”, sublinhou.
O caso de Hélder, no entanto, teve seguimento judicial. “Há uma semana recebi um carta do Ministério Público a dizer que o indivíduo foi acusado de ofensa à integridade física não-agravada”, explicou. O caso deverá seguir para tribunal.
O episódio que envolve Fábio já ocorreu “há três ou quatro anos” mas recorda que também aconteceu durante o inverno. “Estava com quatro amigos, na Rocha, e chegaram uns turistas e começaram a mandar bocas. Vieram os seguranças para a rua e disseram-nos que tínhamos que sair dali. Dissemos que não e começaram a bater-nos”, descreveu.
Fábio estava com quatro amigos, mas diz que ninguém apresentou queixa. “Portimão é diferente de Lisboa, aqui toda a gente conhece toda a gente e as pessoas têm medo”, afirma, sublinhando que os seguranças fazem ameaças. “Eles sabem em quem podem bater e em que não podem”, indicou.
"Só querem ser seguranças para andar à pera. Foi o que concluí"
A Associação de Empresas de Segurança (AES) reagiu, também esta sexta-feira, ao caso das agressões no Urban Beach através de um comunicado onde condena o incidente e defende “mão pesada para situações reiteradas de violência e incumprimento”. Recorde-se que o Ministério Público instaurou um inquérito ao caso, sendo que a investigação decorrerá em articulação com a PSP.
Alexandre, de 32 anos de idade, é um funcionário de uma empresa de segurança privada, a trabalhar no Norte do país. Questionado pelo Notícias ao Minuto, repudia as ações que viu no vídeo, sublinhando que sente “uma certa revolta”.
Em primeiro lugar, fala de condições precárias em empresas que funcionam ilegalmente. “Não há subsídio de férias, não há horas noturnas, e não é só aqui, deve ser em todo o lado”, afirmou.
Alexandre faz, no entanto, outras avaliações. “Fui renovar este ano o cartão e a mentalidade dos jovens [que se inscrevem é que] só querem ser seguranças para andar à pera. Foi o que concluí”, atirou.
"Isso acontece porque deve haver outros interesses por fora. Eles são contratados a olhos, não é só para serem seguranças
Alexandre explica ainda, sem se alongar, que “há quem queira controlar a noite”. Rogério Alves, presidente da AES, reconheceu esta realidade: “A AES considera urgente o reforço de poderes das autoridades para que possam suspender o alvará destas ‘empresas-pirata’ que funcionam, a todos os níveis, à margem da Lei”.
“O problema é que dois, três, quatro, cinco casos destes - que são casos de gravidade manifesta – acabam por destruir e afetar a imagem de uma atividade que é exercida por 35 mil profissionais em milhares de locais espalhados pelo país e com altíssimo nível de aprovação pública”, acrescenta.
No que respeita ao Urban Beach, um dos seguranças envolvidos nas agressões que são vistas nas imagens foi detido na madrugada de sexta-feira, aquando do encerramento daquele estabelecimento pelas autoridades. Outros dois foram detidos ao longo do mesmo dia. O caso está a ser investigado pelo Ministério Público em articulação com o Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) da PSP de Lisboa.
* Nomes fictícios para proteção dos intervenientes