Centeno conseguiu folga de quase mil milhões de euros no défice

10 de maio de 2018 523

O plano do governo para ajustar as contas públicas daqui até 2022 até parece ser correto, vai no bom sentido, mas os riscos são tantos que é difícil afirmar que vai ser cumprido, diz o Conselho das Finanças Públicas (CFP), na sua análise ao Programa de Estabilidade 2018-2022 (PE), entregue em abril por Mário Centeno, o ministro das Finanças. No estudo divulgado esta quinta-feira, o CFP, presidido por Teodora Cardoso, começa por referir que o novo PE “beneficia de um ponto de partida favorável” na medida em que a execução orçamental de 2017 permitiu acumular uma folga importante no défice (menos cerca de 891 milhões de euros face ao que se calculava em outubro, no Orçamento). Contando com a poupança em juros, a folga total obtida em 2017 sobe para quase mil milhões de euros (985 milhões, diz o CFP).

Esta margem é superior aos 800 milhões de euros que foram calculados e que os partidos da esquerda exigiram serem reinvestidos em sectores como a Educação e a Saúde, ao mesmo tempo que acusaram Centeno de ir mais longe do que o exigido por Bruxelas. Do lado da despesa, isto acontece à custa de menos 303 milhões de euros em consumos intermédios, menos 139 milhões em despesa com pessoal, menos 304 milhões em despesas de capital, menos 441 milhões em apoios sociais, cortes de 419 milhões de euros em outras despesas correntes e uma poupança na ordem dos 144 milhões ao nível dos subsídios concedidos. A poupança em juros também foi importante, mas menos face ao que se esperava na altura do OE, cerca de 94 milhões a menos. Ou seja, o défice que era para ser de 1,4% em 2017 acabou por ficar em 0,9% (sem o efeito CGD) porque o governo conseguiu comprimir a despesa em 1,6 mil milhões de euros além do que estava previsto em outubro. Esta redução nos gastos permitiu mais do que compensar uma quebra na receita, que acabou por rondar os 667 milhões de euros. A instituição de Teodora Cardoso repara no “desvio favorável da execução orçamental de 2017” e que “a magnitude destes desvios é ainda superior quando retirados os efeitos de medidas temporárias”. Assim, “constata-se que o consumo intermédio, a outra despesa corrente e os subsídios registaram uma correção superior ao desvio obtido na execução daquele ano, abrindo espaço para acomodar [este ano] as correções em alta na despesa, decorrentes da recapitalização do Novo Banco, do reforço da despesa com salários nos sectores da saúde e da educação e do acréscimo de despesa com os incêndios (indemnizações e prevenção no combate)”. Um plano arriscado O CFP considera que em termos de proposta, o que está no papel do Programa de Estabilidade reflete um “opção correta em matéria de política orçamental, ou seja, uma postura globalmente contra cíclica que implica a redução do défice e do rácio da dívida nas fases favoráveis do ciclo económico”. Apertar mais agora nas contas para ter margem no futuro caso haja um novo choque ou crise. Centeno recusa-se a admitir que tenha alguma folga no OE, mas admite que a sua gestão orçamental está a “preparar o país para a eventualidade de uma conjuntura desfavorável” e que o défice tem de continuar a descer até se chegar a sucessivos excedentes. Para ir reduzindo a dívida, é essa a ideia. Evitar novos colapsos financeiros, diz o CFP O Conselho de Teodora Cardoso concorda com esta “postura” de Centeno: “contrariamente ao que foi a base das estratégias orçamentais geralmente adotadas no passado, só assim é possível criar espaço orçamental no médio prazo que permita a adoção de medidas expansionistas nas fases menos favoráveis do ciclo sem o risco de colapso financeiro”. E acrescenta que “o elevado nível de endividamento do Estado a que essas estratégias conduziram reforça agora a necessidade de prudência no que respeita às medidas com impacto na evolução das componentes mais rígidas da despesa, em especial as relativas a saúde e pensões, que dependem de fatores cuja evolução não é influenciada pela ação do Estado e que atuam a longo prazo, como é o caso da demografia”. Tudo isto para dizer que o CFP acha o plano do governo PS correto, mas duvida que se consiga passar facilmente à prática. Não há infraestrutura para fazer a reforma da despesa “A estratégia delineada no PE permanece insuficiente, uma vez que a evolução do saldo orçamental depende fundamentalmente da dinâmica favorável da atividade económica e das políticas adotadas no passado, a que se associam medidas de revisão de despesa que carecem de discriminação que permita avaliar o seu impacto e acompanhar a sua execução. Um verdadeiro programa de revisão de despesas supõe a existência de uma infraestrutura de gestão pública, que não existe ainda em Portugal“, critica o Conselho. Economia influencia mais do que novas medidas do governo Adicionalmente, “a concretização dos objetivos orçamentais de médio prazo para o saldo orçamental e para a dívida depende fundamentalmente das previsões para o comportamento da economia, o que constitui um risco significativo, na medida em que a economia portuguesa é muito vulnerável a choques exógenos e que o contributo das novas medidas de política orçamental é marginal para a melhoria do saldo e da dívida”. Taxa de juro é um risco, não uma medida Acresce ainda “que o PE/2018 considera a descida dos juros como uma medida, mas a sua evolução apenas parcialmente depende de fatores sob o controle do Governo e a evolução da taxa de juro, na situação atual dos mercados financeiros, tem de ser considerada, em si mesma, como um risco”. Omissão de eventuais apoios à banca E depois há a eterna questão dos bancos que ainda podem vir a ser ajudados. “É de assinalar que o PE/2018 não refere efeitos de apoios adicionais ao sector financeiro além de 2018, que – a ocorrerem – terão impacto no saldo, na dívida ou em ambos”. Previsão de receita da Segurança Social é otimista No campo estrito da gestão orçamental, o CFP alerta para “a eventual não concretização de uma previsão que se pode considerar otimista para as receitas contributivas constitui um risco não negligenciável e, no lado da despesa, subsistem pressões nas rubricas da despesa com pessoal e das prestações sociais, que podem afetar desfavoravelmente a redução prevista para o rácio da despesa”.