CRISE DA ADOLESCÊNCIA EM CRISE ?
O problema dos desvios comportamentais dos adolescentes é recorrente, em debates e fóruns de educadores. Inúmeras propostas são feitas, muitas teóricas e nefelibáticas, algumas poucas concretas e francamente dignas de serem postas em prática e estimuladas.
Não é possível deixar de relacionar o problema com a crise de valores vivida pela instituição familiar. De fato, quase sempre desvios sérios de conduta de adolescentes têm origem em problemas familiares mal resolvidos. A crise da família, que afeta gravemente nossa sociedade já há algumas décadas, repercute de modo muito negativo no processo de maturação dos adolescentes. A falta de carinho e proteção maternais, a carência do apoio psicológico inseparável da figura paterna, famílias desunidas e desestruturadas, a ausência de um convívio pacífico e colaborativo no ambiente doméstico, tudo isso se reflete na conduta muitas vezes desgarrada dos adolescentes e jovens.
Há também que considerar o que é, propriamente, o chamado “fenômeno da adolescência”. Esse fenômeno era praticamente desconhecido no passado. Apenas muito de passagem encontramos, nos registros antigos, referências vagas à irreflexão dos jovens, à sua falta de prudência e tino etc. Mas o fenômeno se acentuou em meados do século XX, ou pelo menos passou a ser mais percebido, a partir da mudança do modelo familiar patriarcal para o nuclear. Enquanto as famílias de todos os níveis sociais mantiveram o modelo patriarcal, com muitos filhos, muitos irmãos, convivência entre irmãos, primos, entre tios e sobrinhos, todos crescendo e vivendo juntos, muitos conflitos e desarranjos se acomodavam internamente, no âmbito da própria família. Era comum tios e sobrinhos serem criados juntos. Dou o exemplo da família dos meus avós maternos. Eles tiveram 19 filhos, sendo que apenas 8 vingaram. Nos tempos antigos, muita criança morria no parto ou logo depois. Entre os filhos que vingaram, havia uma diferença de idades enorme. Minha mãe, que era a 18ª. filha, tinha um irmão 26 anos mais velho que ela e vários sobrinhos que eram mais velhos do que ela... Naqueles tempos, o convívio intergeracional e o convívio intrageracional eram muito intensos. Sempre havia alguém mais ou menos da mesma idade para se apoiar, um ombro para se encostar, um consolo para se obter, alguém para desabafar etc.
Depois que as circunstâncias da vida moderna mudaram radicalmente, em meados do século XX, e as famílias tenderam a se estruturar segundo o modelo nuclear (pai, mãe e um, dois, ou no máximo três filhos), os conflitos se acentuaram, e os adolescentes passaram a tomar como modelos de referência e pontos de apoio não mais pessoas da mesma família, mas colegas e líderes de turma, ou, ainda mais, “heróis” da mídia, personagens de videogames etc. Nesse contexto, acentuou-se a tendência para o chamado “conflito de gerações”, em que a geração de pais e a de filhos se opõem, conflitivamente, quase dialeticamente.
É claro que, nas atuais circunstâncias, é impensável retornar sem mais ao modelo patriarcal de sociedade... Mas seria preciso estudar formas de revalorizar a família, instituição indispensável para a formação e, ademais, célula básica, como sempre lembrava Ruy Barbosa, da sociedade humana.
Gostaria de chamar a atenção dos leitores para um outro aspecto da questão. Comumente nos referimos à adolescência (ou, como se costuma dizer, “aborrescência”) como sendo problemática devido “aos hormônios”... Os hormônios, os famosos hormônios é que levam a culpa de tudo...
É claro que os hormônios possuem, nessa fase da vida, uma força indômita e facilmente se descontrolam. Todos nós já sentimos isso em nós mesmos. Mas, além dos hormônios, há outra causa natural para esse descontrole. Recomendo aos leitores que procurem, na revista “Veja” de 20/11/2016, a interessante matéria que saiu, escrita por duas jornalistas do Rio de Janeiro, sobre um livro lançado nos Estados Unidos, acerca do cérebro do adolescente. Não vou repetir tudo quanto elas expuseram, mas apenas adianto que recentes estudos sobre o cérebro humano demonstram que ele não completa sua formação no final da infância, como se supunha, mas continua em formação até o final da adolescência. Ele vai se fixando de trás para a frente, e a última parte que se fixa, concluindo o seu processo formativo, é a frontal, mais perto do alto da garganta e das amígdalas. É precisamente nesse local que se situam os controles racionais do cérebro sobre certo tipo de emoções, o senso do risco, o das consequências dos atos, o do “juízo”. Um conhecimento mais detalhado desse mecanismo pode ajudar muito os educadores a entenderem e avaliarem corretamente o fenômeno. Aqui vai a referência, para os leitores interessados: http://veja.abril.com.br/ciencia/a-ciencia-desvenda-a-cabeca-do-adolescente/
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História