DIFICULDADES DE RÓNAI COM A LÍNGUA PORTUGUESA

− “Às vezes me perguntam como aprendi o português. Respondo geralmente que não o aprendi e provavelmente nunca hei de aprendê-lo” − assim começa Paulo Rónai, modestamente, o seu ensaio, rendendo homenagem à riqueza excepcional e à extrema sutileza de nosso idioma. Em seguida, conta que, ainda jovem, lecionava Latim e Italiano numa escola secundária da capital magiar e frequentava um café onde se reuniam seus amigos linguistas, todos dedicados a línguas exóticas. Um estudava um dialeto de uma tribo perdida da Ásia, outro o de uma etnia da África, outro se dedicava a uma língua morta absolutamente desconhecida e assim por diante... Só ele, envergonhado, confessava saber Latim e se interessar por línguas neolatinas, conhecidas e nada exóticas.
Depois de remoer a humilhação, resolveu, por fim, procurar algo mais exótico, mais raro, que, naquele pequeno cenáculo de especialistas, lhe rendesse um pouco de prestígio. Desejava algum idioma extinto ou, pelo menos, falado por muito pouca gente, de preferência por uma meia-dúzia de pescadores analfabetos, em alguma ilha remota.
Procurou, procurou e nada achou. Começou, afinal, a estudar o português, mas como era língua viva e, ademais, falado por muita gente, confessa que teve vergonha de contar aos amigos. Foi quase secretamente que conseguiu um velho dicionário Português-Alemão e, auxiliado pelo Latim, pelo Italiano e pelo Francês que já dominava, foi adentrando a “última flor do Lácio, inculta e bela”.
Revela que, de início, a língua lhe pareceu demasiadamente fácil, tudo muito claro e sem obscuridades. Foi só ao aprofundar os estudos que as leves inclinações de terreno se revelaram serras escarpadas, que uma gramática aparentemente simples se complicou com numerosas exceções e tudo ficou difícil. Mas aí ele já estava apaixonado por nossa língua, e nada mais poderia impedir o romance e o verdadeiro casamento com ela, que realmente ocorreu.
As dificuldades eram numerosas. A letra x, por exemplo, correspondente a quatro ou cinco sons diferentes, era algo que não conseguia entender. Simplesmente inexistia, no húngaro, tal letra misteriosa. O excesso de vogais, que para nós, luso-brasileiros, é tão natural, era algo que o chocava. Sentia falta daquelas palavras para nós estranhas, com dez ou doze consoantes e apenas duas vogais perdidas pelo meio, como no húngaro ou nos idiomas eslavos. Procurava, mentalmente, explicar-se como a palavra lua pode ter vindo do latim luna, como pessoa pode provir de persona, como vetera pode ter confluído na nossa velha. Os sons anasalados do idioma português também constituíam barreira aparentemente intransponível para seus ouvidos e suas cordas vocais.
Os gêneros eram outro problema. Por que criança era palavra feminina, se designa indistintamente meninos e meninas? Qual a razão lógica dessa opção? Também a naturalidade com que nossa língua incorpora vocábulos de origem árabe, como por exemplo alfaiate, o surpreendia. Não seria mais normal que um alfaiate costurasse túnicas ou albornozes mouriscos, deixando para algum profissional que usasse uma designação mais próxima do sartor (costureiro, em latim), o corte de casacas e calças europeias?
Já palavras feias para nós, brasileiros, como horrendo e nefando, para o jovem Rónai sorriam amigavelmente e pareciam simpáticas, porque fiéis às suas raízes latinas. Também o infinitivo pessoal − que normalmente causa muita dificuldade aos estrangeiros que aprendem nossa língua − lhe pareceu familiar, porque o húngaro tem a rara peculiaridade de possuí-los, como nós.
ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS, é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.