Discurso de posse apresentado por Marcos Rocha é uma mistura de “no céu tem pão?” com bolsonarismo antiquado

3 de janeiro de 2019 740

Porto Velho, RO – Durante a cerimônia de posse do agora presidente de República Jair Bolsonaro, realizada em Brasília, foi perceptível que o capitão da reserva arrefeceu as baterias para seguir à risca a liturgia exigida pelo ritual de passagem de faixa.

Outra transição visível, pelo menos por ora, foi o divórcio significativo com boa parte do caráter caricato do então personagem denominado por seus eleitores como um verdadeiro mito dando lugar ao ser humano que, a partir de agora, carrega a árdua missão de comandar as rédeas do Brasil a partir do Palácio da Alvorada.

Tirando uns acenos mais efusivos direcionados à plateia durante o percurso da comitiva – incluindo aí a curta marcha percorrida pelo tradicionalíssimo Rolls-Royce presidencial –, o militar, digamos assim, até que se comportou. A pose da “arminha”, ridícula, por sinal, foi usada apenas algumas vezes no carro que acompanha chefes-de-Estado brasileiros desde 1950.

Sequer é possível chamar de exceção os devaneios oriundos do olavismo cultural no momento em que Bolsonaro jurou combater o socialismo.  Isso porque, e é até constrangedor ter de mencionar isso aqui, embora o Brasil jamais tenha sido um país socialista, o novo presidente construiu sua campanha em cima desses delírios conscientes, usando à exaustão frases de efeito e abusando daquilo que o próprio Olavo de Carvalho – seu mentor intelectual – chama de falácia do espantalho.

Portanto, a expectativa do evento também girava em torno dos costumeiros ataques à imprensa, a veículos de comunicação e jornalistas específicos, o que não aconteceu.

Aqui em Rondônia, aparentemente, houve efeito contrário. Quando Marcos Rocha surgiu como candidato a seriedade parecia preencher sua essência.

Ainda que não fosse levado a sério inicialmente como pleiteante, principalmente por usar a tática do papagaio bolsonarista, diante dos adversários surgia um sujeito de feições sérias, falas objetivas, prometendo acabar com a corrupção, garantindo combate incessante à violência e expondo a necessidade de cortar na própria carne, ou seja, enxugar a máquina pública, economizar recursos e garantir investimentos futuros.

Outra suposta característica aventada pelo próprio postulante à época e que chamou a atenção do eleitorado seria um suposto controle emocional forjado pela vida militarista.

A intenção do coronel ao mencionar isso nos debates era convencer a população de que sua psique é tão inabalável quanto uma rocha; descobrimos, no entanto, durante o discurso de posse, que o agregado sólido que imaginávamos está mais para manteiga derretida.


Vídeo por: Mappingrondonia

No trecho em que abordou a questão do menino sem roupas que comia farinha com água e sal, impossível não lembrar as incontáveis vezes em que Renato Aragão, o Didi de “Os Trapalhões”, contou a história conhecida como “No céu tem pão? E morreu...”.

Até a pausa para o choro tem a mesma cadência entre um e outro. Mesmo conhecendo a procedência do seu Plano de Governo e me recordando sobre o episódio das propostas reiteradas de propina, não se questiona a veracidade do relato, claro, apenas a discrepância entre o discurso de campanha e a prática.

Nada mais.

Outro ponto, este bastante peculiar para um oficial da Polícia Militar (PM/RO), hipoteticamente acostumado à disciplina e a ritos rotineiros e imutáveis, foi a quebra de protocolo cerimonial e o desrespeito ao antecessor, o agora ex-governador Daniel Pereira (PSB). Pereira deveria, assim como todos os ex-chefes do Executivo, entregar a faixa governamental a Rocha; entretanto, o ex-governador teve de entregá-la à esposa do coronel, Luana Rocha, para que, só assim, chegasse ao novo destinatário.

Isso sem contar a famigerada pose de “arminha”, como já ressaltei, que também deu as caras lá no Plenário.

Por fim, novamente, ataques deliberados aos profissionais de comunicação, especialmente àqueles que destoam às redações chapa-branca e às práticas da imprensa marrom.

Importante frisar que Rondônia tem mais de 1,7 milhão de habitantes; a página institucional de Marcos Rocha no Facebook, por outro lado, conta com apenas 31.804 seguidores, o que não representa sequer 2% da população do Estado. E o governador quer porque quer torná-la ferramenta oficial de comunicação.


Vídeo por: Mappingrondonia

O tom egocêntrico do discurso denota um perfil narcisista que precisa ser quebrado.

Em suma, o discurso de posse foi uma mistura de “no céu tem pão” com um bolsonarismo antiquado que nem o próprio Jair Bolsonaro aguenta mais.

Esperemos que a gestão seja maior, muito maior do que o pronunciamento inaugural.

Boa sorte, governador!

VISÃO PERIFÉRICA

POR: VINICIUS CANOVA