Doença mental é uma doença como outra qualquer.

30 de novembro de 2019 884

Doença mental é uma doença como outra qualquer. Com uma vantagem: tem dois profissionais para tratar dela, pois, dependendo do quadro, pode-se ser encaminhado para o médico ou para o psicólogo. Não conheço nenhum caso de prescrição de auto-exposição na mídia com fins terapêuticos.
Sou um entusiasta do recurso a esses profissionais, indistintamente se particulares ou do SUS. Graças ao tratamento com um psiquiatra, consegui curar um problema de pele com que sofri dos oito aos cinquenta anos idade. E isso com uma semana de uso dos remédios, depois de décadas de tentativas com médicos dermatologistas, usando umectantes, cicatrizantes, fungicidas, poções mágicas...
Então, pra mim, a divisão da saúde em saúde física, saúde mental etc. é para os profissionais da saúde, para se especializarem. Para nós, pacientes, o que existe é simplesmente saúde. E devemos buscá-la sem qualquer espécie de preconceito, sem qualquer espécie de preocupação sobre o que vão pensar ou dizer.
Eu, pelo menos, como sempre tive fama de doido mesmo, o que tenho a registrar é que tal fama só fez diminuir depois que me assumi como psicopaciente. Gosto muito do CAPS, foi um dos melhores ambientes que frequentei. E confesso que em minha recente alta médica fiquei até meio triste. Não pela alta em si, claro; mas por saber que não vou mais ter contato periódico com profissionais tão dedicados, tão humanos.
Lembro-me quando, em uma de minhas primeiras consultas, eu me deparei com uma das mensagens mais lindas que já vi, escrita em um quadro na parede do setor de agendamentos do CAPS: "Aqui somos todos loucos, uns pelos outros".
Não escondo minha condição de psicopaciente, pois o que mais quero é que seja um incentivo a tantas pessoas por aí, com quadros bem mais graves do que era o meu, mas que deixam de buscar tratamento, para não se exporem. Mas depois acabam sendo expostas nas situações em que imergem, com surtos de agressividade ou tentativas de suicídio.
Existem, entretanto, pessoas que se graduam numa área que concorre, também, para a saúde humana, que é o sacerdócio religioso, que põem meio de lado seu compromisso. Na Igreja Católica, são pelo menos sete anos só de cursos de graduação, mais o tempo de tirocínio, diaconato... até que se decida se o cidadão de fato deve ser padre, ou se deve voltar à vida civil.
Ser padre é dispor-se a ser obediente à Igreja, a abrir mão de suas vontades pessoais para ir atuar em um cidadezinha lá no fim do mundo, é abrir mão de enriquecer, é dispor-se a ser acordado de madrugada para ministrar extrema unção a um enfermo, é deixar de ir a um aniversário, se necessário, para ir encomendar o corpo de um fiel falecido, é ouvir a confissão de uma mulher que traiu o marido e não se permitir sentir-se atraído a entrar na fila dos ricardões.
Todas essas restrições apontam para a necessidade de uma total entrega de sua vida ao compromisso missionário, razão pela qual a Igreja sabiamente instituiu o requisito do celibato. Entretanto, de uns tempos pra cá tem havido uma onda da pior espécie de sedução que a modernidade criou: a sedução midiática. E há padres que são mais íntimos dos palcos do que dos altares. Mais frequentes nos camarins do que nas sacristias. Mais próximos das câmeras do que dos sacrários. E o que é mais grave: mais preocupados em multiplicar os fãs do que os fiéis.
E nessa corrida em direção oposta à que deveriam tomar afastam-se deliberadamente do cumprimento de seu mister. Não é que não oficiem missas, eles oficiam missa sim; mas preferencialmente televisionadas e com públicos que não compõem efetivamente comunidades católicas.
Já não bastassem essas distorções de comportamento clerical, há agora um padre que vem repetidamente trazendo à mídia seus quadros de perturbação da saúde mental. E fala de sua depressão, fala de suas crises de pânico, mistura teologia com psicologia, faz uma confusão - permitam-me a expressão - dos diabos, dizendo que a crise de pânico foi provocada pelo demônio... valha-nos Deus!
Não sou eu que vou demonstrar que esse padre é chegado a uma heresia. Não cabe a mim. Com muita propriedade, já houve membros do clero que proferiram aulas e palestras em que demonstram, claramente, que o tal padre midiático fala besteira em questões fundamentais, como, por exemplo, o conceito de Igreja.
Mas o que mais me chama a atenção é ver pessoas que, em tese, deveriam ter um certo discernimento se encantarem com o padre midiático pelo fato de vir ele a público expor esses seus problemas de saúde.
Eu, graças a Deus, como profissional de imprensa há 35 anos, mantenho-me necessariamente próximo aos meios de comunicação. De uns tempos pra cá, o Face tem sido um meio do qual muito me tenho utilizado.
Os que acessam meu perfil me conhecem pelos meus textos, minhas reportagens, meus artigos, ou mesmo meus poemas, em que sempre zelo pela observância do que aprendi em meus estudos de poética, construindo-os com métrica e zelosa seleção de vocábulos que não apenas rimam, mas são de classes gramaticais diferentes.
Mas tenho proctite, agravada pelos remédios que tomo para tratar da diabete, entretanto ninguém me viu até hoje fazer live na privada, postagens sobre minhas crises de cólica ou coisas dessa natureza. É assunto que eu reservo aos consultórios médicos, não sem pedir, como católico que sou, que Deus me agracie com a cura. Na saúde mental, não é diferente.

EDSON LUSTOSA

Edson Lustosa é jornalista há 30 anos e coordena o projeto Imprensa Cidadã, do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito e Justiça. Escreve às segundas, quartas e sextas-feiras especialmente para o Que Notícias?.