DOIS COMPANHEIROS QUE EU ESTIMAVA MUITO, EXECUTADOS NA CASA DA MORTE
Nunca procurara conhecer em detalhes como morreram companheiros queridos, nem mesmo quando esses relatos ficaram fáceis de levantar na internet. Sabia que isso me deprimiria demais.
Contudo, ao escrever o Náufrago da Utopia, tal informação se tornou obrigatória.
Sabia que desaparecera prisioneira da repressão a Heleny Ferreira Guariba (de quem muito gostei mas me contive porque em cada instante que passava com ela a colocava em perigo, a Lucy ainda desconhecida do DOI-Codi e eu com a face estampada nos cartazes de procurados espalhados por todo lugar). Mas ignorava que ele expirara na famigerada Casa da Morte de Petrópolis.
À dor da perda, que nunca deixei de sentir, acrescentou-se a raiva impotente ao saber que ela foi levada a um centro clandestino de torturas, sem esperança de sobreviver, para passar pelos piores tormentos e, no final, ser abatida com um animal.
Quando estava sendo torturado no limite das minhas forças, consolava-me a certeza de que aquilo teria um fim. Bastaria aguentar mais um dia, e outro, e outro… até que os companheiros tomassem providências defensivas lá fora e não sobrassem mais motivos operacionais para aquela bestialidade.
Sem luz nenhuma no fim do túnel, apenas a certeza da morte, como terão sido os últimos dias da Lucy?
Foi o que me atormentou ao longo de toda uma noite insone, no pior momento possível, pois estava em má situação financeira e era obrigado a passar umas 14 horas por dia escrevendo o livro que, contra a entrega dos originais, iria me livrar de outro pesadelo, o despejo.
Também supunha que José Raimundo da Costa, a melhor amizade que formei na VPR, houvesse mesmo morrido ao resistir à prisão, como os jornais noticiaram.
Já no momento dos acontecimentos, eu sabia muito bem que boa parte das mortes noticiadas dessa forma não passava de execuções a sangue-frio.
Ao ser levado para depor numa auditoria do Exército, certa vez, o oficial que comandava a escolta comentou o sucessivo anúncio de mortes de companheiros do Movimento Revolucionário Tiradentes. Segundo os jornais, depois da morte em combate, sempre era encontrada uma pista que levava ao elo seguinte da cadeia. Risível.
Para não deixar dúvidas, aquele oficial disse: "Você tem sorte de estar preso. Lá fora, hoje, não escaparia com vida…"
Mesmo assim, no caso do Moisés, eu acreditei — quis crer — na versão oficial.
Quem sobrevivia na clandestinidade desde 1964 e se safara de tantas armadilhas, certamente resistiria até a última bala — pensei.
Não levei em conta, no entanto, sua amizade com o cabo Anselmo, a quem sempre defendera das acusações lançadas por outros agrupamentos de esquerda.
A confiança no velho companheiro dos movimentos da marujada, com certeza, causou sua prisão com vida. Quem foi capaz de armar uma cilada mortal para a mulher que engravidara, não hesitaria em impedir que um velho amigo tivesse um final menos atroz.
O Moisés era um homem forte, que convivia há muito tempo com a ideia de morrer pelas mãos dos inimigos. Mas, o que ele deve ter passado antes, também na Casa da Morte, é que me horroriza até hoje.
Pois, com o Moisés, o ressentimento era, inclusive, pessoal.
Pouco antes do golpe de 1964, sua prisão foi ordenada e o oficial encarregado de cumprir a missão fez a besteira de não levar escolta.
Os marinheiros do navio em que o Moisés servia simplesmente lhe perguntaram: "O que fazemos com esse palhaço?".
Ao que ele respondeu: "Jogamos no mar, é claro!".
Dito e feito. Só que o palhaço ensopado, submetido à pior das humilhações, conquistaria depois posição importante no Cenimar, o serviço de informações da Marinha. Da qual se serviu para mover uma caçada ao Moisés no País inteiro, obcecado com a ideia da desforra.
Só em pensar que esse reencontro haja finalmente ocorrido, tenho arrepios. (por Celso Lungaretti)
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ANTUÉRPIO PETTERSEN FILHO, MEMBRO DA IWA – INTERNATIONAL WRITERS AND ARTISTS ASSOCIATION É ADVOGADO MILITANTE E COLABORADOR DO SITE QUENOTÍCIAS, É ASSESSOR JURÍDICO DA ABDIC – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO INDIVÍDUO E DA CIDADANIA, QUE ORA ESCREVE NA QUALIDADE DE EDITOR DO PERIÓDICO ELETRÔNICO “ JORNAL GRITO CIDADÃO”, SENDO A ATUAL CRÔNICA SUA MERA OPINIÃO PESSOAL, NÃO SIGNIFICANDO NECESSARIAMENTE A POSIÇÃO DA ASSOCIAÇÃO, NEM DO ADVOGADO.