...E SE NOSSOS INTELECTUAIS DE ESQUERDA, ANTES QUE A VENEZUELA ARDA EM CHAMAS, AJUDASSEM A ENCONTRAR UMA SAÍDA?

17 de fevereiro de 2018 784
Estou careca de saber que a exortação do Demétrio Magnoli, no artigo O manifesto ausente (17/02), cujos trechos principais estão reproduzidos abaixo, será desqualificada por muita gente na esquerda como uma maneira de ajudar o inimigo.
 
Mas, passou a hora dos clichês e das saídas pela tangente. Salta aos olhos e clama aos céus que a tragédia humanitária venezuelana não pode continuar, caso contrário se marchará inexoravelmente para um banho de sangue e para a derrubada violenta do governo de Nicolas Maduro. Se o convencermos a mudar imediatamente de rumo, talvez o pior ainda possa ser evitado.
 
Então, está certíssimo Magnoli em propor uma pressão que contribua para viabilizar a solução negociada do impasse atual. Qualquer alternativa à continuidade ou agravamento da penúria e do sofrimento do povo venezuelano é bem-vinda!
 
Por Demétrio Magnoli
 
"Há 120 anos, em 15 de janeiro de 1898, o jornal Le Tempspublicou uma petição por um novo julgamento do major Ferdinand Esterhazy, o verdadeiro culpado pelo ato de traição atribuído a Alfred Dreyfus. Além de Émile Zola, autor do Eu acuso, assinavam-na Anatole France, Émile Durkheim, Marcel Proust, Claude Monet e várias outras figuras da vida cultural francesa. Naquele dia, nascia a tradição moderna dos manifestos políticos de intelectuais. 
 
A catástrofe humanitária na Venezuela pede, urgentemente, um manifesto de nossos intelectuais de esquerda. Duvido, porém, que eles tenham a clareza moral necessária para escrevê-lo.
 
A petição de 1898 cumpriu relevante função pública, ao contrário da maioria dos manifestos que vieram depois, quase sempre consagrados a fins tolos, frívolos ou francamente abjetos. (...) Hoje, porém, devo pedir justamente a eles que façam, uma vez na vida, o que fizeram Zola e cia: escrever para proteger valores preciosos.
 
Não conhecemos com precisão a dimensão da tragédia, pois o regime de Maduro proibiu o acesso à Venezuela da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA. Mas o relatório parcial que ela produziu descreve um cenário de desnutrição infantil e carência generalizada de medicamentos básicos. 
 
Reportagem do Washington Post revela que famílias desesperadas já abandonam seus filhos pequenos em orfanatos. "As pessoas já não conseguem mais comida. Entregam seus filhos exatamente porque os amam", explicou Magdelis Salazar, assistente social em orfanato de Caracas. 
Junto com o fluxo de refugiados rumo à Colômbia e ao Brasil, configura-se a paisagem típica de um país em guerra –com a diferença de que não há guerra. Chico, Marilena, Comparato, Dallari, Alencastro, Maria Victoria, Fornazieri, Singer – onde estão vocês?
 
...No início de 2012, durante os dois meses de sua agonia em Cuba, Chávez organizou com os Castro a transição do poder para Maduro. O pacto desigual conferiu ao regime castrista o controle sobre os aparatos de segurança do Estado venezuelano, que é exercido por agentes dos órgãos de inteligência cubanos. 
 
A goma dos assessores cubanos imobiliza o chavismo crepuscular, prevenindo dissidências e impedindo uma saída negociada. O manifesto ausente faz falta pois Havana guarda a chave de uma solução pacífica para a Venezuela.
 
Nessas circunstâncias especiais, a palavra dos intelectuais de esquerda pode exercer uma efetiva influência indireta. O persistente silêncio deles serve como cobertura do apoio dos partidos brasileiros simpatizantes do castrismo à ditadura de Maduro.
Muitos venezuelanos estão vivendo nas ruas de Manaus
 
A ruptura do silêncio cúmplice (...) alteraria os termos da equação. O regime castrista precisa da legitimidade oferecida pela esquerda latino-americana. Sob pressão do PT, do PSOL e do PC do B, Havana possivelmente se moveria, reproduzindo o que fez no caso das Farc colombianas.
 
Nossos intelectuais de esquerda especializaram-se em manifestos partidários ou destinados a causas mesquinhas, como pedir o escalpo de algum articulista inconveniente. Que tal variar, em defesa dos direitos humanos dos venezuelanos comuns? Dessa vez, companheiros, vocês não são irrelevantes."
 
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )