FALECEU SÓNIA CINTRA
Acabamos de conhecer a triste notícia do falecimento da conhecida ensaísta e escritora, brasileira, Sónia Cintra, vítima de doença cancerosa. Ilustre e assídua colaboradora, do nosso blogue.
A Profª Doutora Sónia Cintra, nasceu em Amparo, a 3 de Junho de 1949. Era cidadã honorária de Jundiai. Casada com o Arquiteto Araken Martinho, e mãe de Sandra e Fernando.
Formou-se em Filosofia, Ciências e Letras pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas; é doutora em Letras Clássicas e Vernáculas pela Universidade de São Paulo. Pesquisadora da Cátedra José Bonifácio - IRI/USP e membro efetivo da UBE. Fundadora e mediadora do Clube de Leitura da Academia Paulista de Letras e do Clube de Leitura Jundiaiense. Ex-presidente da AJL, oradora da Aflaj e madrinha do Celmi. Pós-graduada em Educação Ambiental.
Autora de numerosos obras, traduzidas, em: italiano, francês e espanhol.
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UMA CIDADE
Por Sónia Cintra
Nesses dias, o vento forte que varre Jundiaí trouxe de volta o tempo em que ele levantava a saia rodada das moças, ao passarem pela esquina do Credicity, no centro da cidade. Eram saias franzidas, pregueadas ou plissadas, hoje tão em moda. Saias listadas, lisas e floridas, de algodão, linho ou seda, que cobriam as delicadas anáguas de cetim, jérsei ou morim, com barra debruada de renda, fita ou sinhaninha. Os moços, à porta da Pauliceia, pigarreando com o primeiro cigarro, enquanto aguardavam a saída da Missa das 11, apostavam qual das saias iria se levantar mais alto naquele domingo. Cientes disso, as moças as seguravam junto ao corpo e passavam por eles de nariz empinado, até a quadra seguinte, onde desatavam-se em risos.
Jundiaí era, então, uma cidade em que amizades e relações de vizinhança não permitiam solidão ou violências. Não raro, a vizinha de casa retribuía os ovos caipiras trazidos do sítio com aquela polenta especial que se cortava com linha. Um milagre, dizia minha mãe. Meu irmão e colegas apanhavam jabuticabas maduras no pé e as lavavam no balde de flandres, para serem chupadas ali no quintal, ainda amornadas de sol, à sombra da frondosa árvore. Que delícias a fruta, a companhia, os segredos e os planos. A escola era o grande tema e os professores estavam sempre em pauta. Quanta curiosidade e gratidão. Quanto respeito e desordem. No Bolão, praticávamos esporte, sob o olhar atento do Maffia, do Nelsão e da Serra do Japi. Aos torneios e campeonatos íamos de trem: todos por um e um por todos, tais e quais os Mosqueteiros.
Em tempos de aula, os horários dedicados aos estudos eram rígidos e, nas férias, praças e clubes da cidade alegravam nossas brincadeiras. O Jardim das Rosas era o lugar para torneios de bola de gude; o Largo São Bento, para ouvir o cântico em latim dos frades e admirar as noivas; a Praça da Cadeia (atual do Fórum), para ouvir a passarada cantar nas seculares figueiras; a das Bandeiras, para troca de figurinhas; a Ruy Barbosa, para leitura de gibis; da Matriz, para observar passantes e pessoas que se sentavam nos bancos para conversar, entre canteiros de arbustos e flores. No Escadão, namorados se beijavam. Do Coreto, a banda nos encantava. Sabíamos de cor o Hino de Jundiaí, composto por D. Haydée Dumangin Mojola, e assistíamos ao poente entre as pipas coloridas da Chácara Urbana. Havia feiras no Parque da Uva, festas de imigrantes e procissões nas ruas centrais e nos bairros, como hoje, e muito mais. A cidade era um lugar bonito e acolhedor de convivência com o outro, e a Cidadania era um Bem natural, a ser ampliado “pela tecnologia doce” do futuro, previa o saudoso geógrafo Milton Santos.
Como diz José Saramago: “Fisicamente, habitamos um espaço, mas, sentimentalmente, somos habitados por uma memória”. Ser cidadão também é isso.