FECHANDO CICLOS

18 de dezembro de 2017 733

Por alguma razão que meus parcos conhecimentos não me permitem saber, nós, seres humanos, somos dominados pelos ciclos, dividindo nossa existência em etapas. É claro que a própria natureza nos impõe determinados ciclos, como os da lua, as regras femininas, o nosso crescer, amadurecer e o morrer. Assim como todas as criaturas viventes, estamos sujeitos a fases, muitas das quais não nos é dado, por mais que tentemos, fugir.

            Mas a despeito das fases não passíveis de domínio, nós ainda temos o hábito de nos submetermos a várias outras, impondo-nos resultados e escolhas de acordo com o andamento desses marcos. Assim, por exemplo, até determinada idade precisamos saber o que queremos da vida e de nós mesmo. Fazemos uma fábrica de malucos, desesperados pela ausência de respostas, sendo que, a bem da verdade, a imensa maioria de nós jamais tem resposta satisfatória ou definitiva para esses questionamentos existenciais.

            É fato, por outro lado, que sendo seres mortais, nosso tempo terreno é limitado e, se quisermos viver em sociedade somos obrigados a aderir a determinados padrões, mas a cada dia que passa eu concluo que ao invés de termos ganhos com isso, acabamos desperdiçando tempo, essa moeda tão sem troca ou troco que valha a pena.

            Desde que comecei a dar aulas em faculdades e lá já se vão mais de dezoito anos, vivo cercada de jovens que dão seus primeiros passos na direção de seus futuros profissionais e o que tenho visto nesses anos todos tem feito com que eu me convença que o tempo não é igual para todos, tampouco pode ser medido ou cobrado da mesma forma. Há aqueles que chegam à universidade amadurecidos, mas os que são pouco mais do que crianças confusas, tenham a idade que tiverem.

            A imposição ou convenção social segundo a qual se é obrigado a tomar decisões ainda não amadurecidas, além de produzir profissionais não vocacionados, ainda produz legiões de infelizes, o que é ainda mais triste. Assim, segundo me parece, muitas vezes falta coragem de simplesmente encerrar um ciclo, permitir-se dar um ponto final ao que não deu certo ou que já parou de dar certo. Tristeza por tristeza, deixamos para a vida aquelas que não podemos evitar, os ciclos que se fecham ao arrepio de nossa vontade, como a perda de entes queridos, por exemplo.

            Estamos nos aproximando do término de mais um ano e eu, também moldada por alguns ciclos da existência, começo a fazer uma análise do ano que passou. Vejo que vou fechando alguns ciclos que iniciei, mas dos quais tenho me policiado para não ser escrava, doa a quem doer. Creio que não seja apenas eu a pensar assim, mas sei que no discurso tudo é mais simples do que a prática, eis que requer coragem. Nem me refiro aqui a grandes decisões, mas de toda e qualquer coisa que nos atrapalhe a alegria e a leveza do existir, essa nossa tão frágil condição.

            Acredito que alguns ciclos nos ajudam a organizar o viver, a termos noção de começo, meio e fim. Outros, no entanto, são convenções que nos amarram, apropriam-se indevidamente do que nos é ou deveria ser mais caro. Que nesse fim de ano, saibamos reconhecer os ciclos que precisamos encerrar, aqueles que valem a pena iniciarmos e aqueles que devemos ignorar. Que tenhamos sabedoria para aproveitamos a vida, esteja ela na fase que estiver, até porque todo fim, de algum modo, é recomeço...

 

 

 

 

 

CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada na Silva Nunes Advogados Associados, professora universitária, membro da Academia Linense de Letras e cronista.       São Paulo.  -  cinthyanvs@gmail.com

 

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