Franciscus: uma palavra não basta
Se Francisco quis em sua tumba simples apenas uma palavra, para definir seu pontificado breve e relevante uma só palavra não é o suficiente
Apenas uma palavra, pediu o Papa Francisco, deverá ser inscrita na lápide de seu túmulo simples, ao rés do chão, despido de ornamentos, na Basílica de Santa Maria Maggiore, do outro lado de Roma, e não no subsolo da Basílica de São Pedro, onde está sepultada a maioria dos papas: Franciscus.
Este e outros aspectos de suas exéquias ele decidiu ainda em 2022, e no documento indicou que os gastos com seu sepultamento correrão por conta de um benfeitor que ele providenciou em vida, e que destinará uma soma à Basílica de Santa Maria Maggiore.
Alguns dirão (pensarão, porque agora, com ele morto, até Milei o enaltece) que também na morte Francisco foi personalista e buscou se distinguir dos outros. Na verdade, o que tais escolhas mostram é que ele foi coerente também na morte. Não haveria sentido em enterrar o “Papa dos Pobres” em três caixões, num túmulo luxuoso.
Se Francisco quis em sua tumba simples apenas uma palavra, para definir seu pontificado breve e relevante uma só palavra não basta. Podemos dizer que ele foi o primeiro Papa não europeu, o primeiro latino-americano e o primeiro jesuíta. Que, não tendo radicalmente reformista, abriu caminho para as reformas que o futuro da Igreja reclama, embora sua ala conservadora rechace.
Francisco foi, além de líder da Igreja Católica, líder espiritual em um mundo conturbado, que nunca deixou de dar sua palavra sobre um fato relevante, mesmo que isso lhe custasse reprovações.
O cardeal Mario Bergoglio não buscou o papado. Na sucessão de João Paulo II, quando seu nome foi aventado, pediu que não votassem nele. Não se julgava digno do cargo. Na sucessão de Bento XVI, aceitou, fosse a escolha por destino ou mérito.
Durante aquele conclave, quando seu nome reuniu a maioria de votos, o brasileiro Claudio Hummes disse-lhe ao pé do ouvido. “Não se esqueça dos pobres”. Naquele momento, contou ele mais tarde, lembrou-se de S. Francisco de Assis e decidiu que usaria seu nome como pontífice.
Para um papa progressista, que desejava arejar a Igreja - embora sem questionar dogmas como o celibato, a condenação do aborto e o não ordenamento de mulheres – Francisco encontrou uma pedra no caminho. Ele não sucedia, como quase todos, a um antecessor morto, mas a um papa que havia renunciado. Bento XVI era um Papa Emérito conservador, reacionário para alguns, e Francisco administrou com habilidade a convivência, evitando que sua sombra inibisse sua atuação progressista.
Tal como lhe pedira D. Hummes, desde o primeiro momento ele encampou a defesa dos pobres. A rigor, de todos os fracos e desvalidos. Já nos primeiros dias condenou a rejeição dos migrantes africanos pela Europa branca e rica. Defendeu os indígenas, as vítimas de todas as guerras, os refugiados de todas as tragédias, inclusive das climáticas, tendo dedicado à causa ambiental sua mais importante encíclica.
Uma só palavra não define aquele que também puniu os membros da Igreja que cometeram abusos pedófilos e combateu irregularidades financeiras do Vaticano, buscando uma Igreja mais pura e mais ética. Que contrariou seus pares conservadores ao dizer que a Igreja deveria acolher integrantes das comunidades LGBTQIA+. “Se uma pessoa é gay, busca a Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?” disse ele. Este foi, porém, seu limite no que diz respeito aos dogmas da Igreja. Francisco não contou com a necessária “correlação de forças”, como dizemos em política, que lhe permitisse questionar o celibato ou a condenação do aborto, o que frustrou alas mais progressistas. Ele foi uma aragem, uma brisa que poderá se extinguir ou evoluir, a depender de quem o sucederá.
Uma só palavra não basta para definir um Papa que se distinguiu também pela simplicidade ascética e por não dissimular seu lado humano. Numa Igreja que fala tanto em penitência, ele exalava bom humor, amava o futebol, tinha um time do coração e era generoso no sorrir.
Em um ponto o cardeal Bergoglio prevaleceu sobre Francisco: na relação com a Argentina, que ele nunca visitou depois de eleito Papa. Neste momento seu rosto está projetado sobre o obelisco de Buenos Aires com a frase que ele muito disse em vida: rezem por mim. Os argentinos choram por ele, mas não sei dizer se compreendem as mágoas políticas que ele não conseguiu superar. Este ponto nos lembra que Francisco era um homem, não um santo. Por isso mesmo sua vida fez diferença no mundo e continuará influenciando os rumos da Igreja. Dos 136 cardeais votantes, 108 foram nomeados por ele, e isso nos faz pensar que dificilmente será eleito um Papa reacionário.
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A POLITICA COMO ELA é (POR : TEREZA CRUVINEL)
Tereza Cruvinel atua no jornalismo político desde 1980, com passagem por diferentes veículos. Entre 1986 e 2007, assinou a coluna “Panorama Político”, no Jornal O Globo, e foi comentarista da Globonews. Implantou a Empresa Brasil de Comunicação - EBC - e seu principal canal público, a TV Brasil, presidindo-a no período de 2007 a 2011. Encerrou o mandato e retornou ao colunismo político no Correio Braziliense (2012-2014). Atualmente, é comentarista da RedeTV e agora colunista associada ao Brasil 247; E colaboradora do site www.quenoticias.com.br