FRAUDE OU NÃO FRAUDE, EIS A QUESTÃO

17 de janeiro de 2018 819
ELEIÇÃO SEM LULA É FRAUDE?
Eu gostaria de ver Lula concorrendo à Presidência da República e perdendo. Embora o Brasil seja um lugar sui generis, não creio que tenha ficado tão disfuncional a ponto de recolocar no cargo máximo do país o líder da legenda que acaba de provocar uma das maiores recessões da história —e sobre o qual ainda pesam graves suspeitas de corrupção.
 
Penso também que um pleito sem Lula deixaria um fio desencapado no processo político. Petistas passariam o resto dos tempos se queixando de que foram desclassificados no tapetão. Para reduzir o caráter de rixa que vem marcando as últimas corridas eleitorais, seria melhor que o capítulo Lula fosse encerrado por uma decisão das urnas e não dos tribunais.
 
Se, porém, o ex-presidente tiver sua condenação confirmada pelo TRF-4 na próxima 4ª feira (24), não vejo como deixar de aplicar a Lei da Ficha Limpa (LC nº 135/2010), que o excluiria da disputa. 
 
Confesso que nunca gostei muito dessa norma, contra a qual já escrevi algumas colunas. Mas, se o prejuízo de uma eleição sem Lula fica restrito ao campo das conveniências políticas, passar por cima da lei para admitir o petista no pleito causaria um dano de ordem institucional. 
 
E, a esta altura, tudo o que não podemos fazer é fragilizar ainda mais as instituições.
 
Nesse contexto, eu diria que, se há alguma ameaça de fraude no ar, ela está menos em tirar Lula da eleição —o PT e suas ideias, afinal, não estão sendo calados, já que o partido estaria apto a lançar outro candidato— do que em deixar deliberadamente de aplicar uma lei que foi quase universalmente apontada como virtuosa apenas porque o resultado não nos agrada.
 
Não há como não apontar a ironia de que a Ficha Limpa leva a assinatura de Luiz Inácio Lula da Silva, que foi quem a sancionou, sob o aplauso de petistas como Dilma Rousseff.
 
QUEM SE SUBMETE DOCILMENTE AO CAPITALISMO E À DEMOCRACIA BURGUESA
NÃO TEM MORAL PARA CHIAR
Até hoje os petistas insistem na narrativa do golpe, pois é bem mais fácil para eles se dizerem vítimas de uma ilegalidade do que admitirem que Dilma Rousseff cavou sozinha a sepultura do seu mandato, sob os olhares complacentes do partido, que viu o desastre se aproximando e não agiu incisivamente para evitar a pior derrota da esquerda brasileira desde 1964. 
 
Ou continuam grasnando foi golpe!foi golpe!, ou terão de fazer a autocrítica obrigatória nessas situações, aquela autocrítica que eles estão nos devendo desde 31 de agosto de 2016, quando Dilma foi privada definitivamente do seu mandato.
 
Como o processo de impeachment cumpriu, uma por uma, todas as etapas que a Constituição determina, quem tantas velas acendeu no altar da democracia burguesa e dos valores republicanos foi simplesmente cínico ao arguir golpe como desculpa para esquivar-se de suas responsabilidades históricas. 
 
A situação se repete agora com a narrativa da fraude. É de um ridículo atroz defender a impunidade de candidatos que estejam bem situados nas pesquisas de intenção de voto. Quem sempre aceitou a Justiça que está aí —uma Justiça de classe, cujo objetivo último é eternizar a dominação burguesa e a imposição da desumanidade capitalista— não pode pular fora apenas porque uma de suas decisões lhe será inconveniente do ponto de vista eleitoral. 
 
Isto só nos faz lembrar a infinidade de decisões judiciais prejudicando os explorados que foram tomadas nas últimas décadas sem que os petistas jamais ousassem acusá-las de fraudulentas.
Ou seja: esse PT amansado que concorda em jogar o jogo no campo do inimigo e segundo as regras do inimigo, não tem direito legal nem moral de alegar golpe em 2016 ou fraude em 2018. 
 
Só os terá se e quando admitir que a Justiça e a democracia burguesas não passam de biombos para mascarar a supremacia absoluta do poder econômico, que é quem realmente manda e desmanda enquanto os incensados três Poderes não passam de satélites gravitando ao seu redor. 
 
Ocorre que tal admissão o obrigaria, por uma questão de coerência, a desistir imediatamente das ilusões eleitoreiras, da conciliação de classe, do reformismo e do populismo, reassumindo as bandeiras revolucionárias que atirou no chão ao longo da década de 1980.
 
E este é um passo que, definitivamente, o PT descaracterizado de hoje em dia não quer dar, daí preferir continuar adotando a moral da ambiguidade, nem que isto implique trocar as argumentações convincentes pelo panfletarismo barato, afugentando os cidadãos com um mínimo de espírito crítico.
 
A VISÃO DEMOCRÁTICA (POR CELSO LUNGARETTI )