GESTÃO DEMOCRÁTICA À MODA LENINISTA

3 de janeiro de 2018 684

Num fórum de professores do qual participei foi proposto que redigíssemos um texto que apontasse as principais vantagens da gestão democrática nas escolas, erigida como um dos princípios básicos da educação pela Constituição Federal (art. 206, VI) e pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação - Lei 9.394/96 (art. 3º, VIII), a ser adotado em todos os níveis do ensino público. A seguir, a resposta que dei:

O tema, tal como foi proposto, induz a que consideremos apenas as vantagens do sistema, sem as desvantagens e os riscos que ele comporta. Começarei por falar das vantagens, mas não me limitarei a elas. Falarei também do outro lado da questão.

As vantagens da gestão democrática nas escolas são evidentes. Participando, de alguma forma, da gestão, todos têm um envolvimento maior, todos se empenham mais, todos se sentem protagonistas. A responsabilidade é maior e, pelo menos em tese, também é maior o empenho que cada um coloca na parte que lhe cabe. Por outro lado, para quem está em cima e tem, de fato, poder decisório, é sempre enriquecedor o conhecimento das experiências e vivências de quem está em baixo, muitas vezes em posições subalternas, mas por isso mesmo conhece certos meandros da realidade de modo mais vivo e válido do que quem, muito de cima, vê o conjunto. Como escreveu Maquiavel na abertura de “O Príncipe”, só quem está no alto dos montes contempla o panorama inteiro e vê até o fundo dos vales, mas também só quem está no fundo dos vales pode compreender e avaliar bem a altura dos montes. São duas visões complementares e mutuamente enriquecedoras a de quem está em baixo e a de quem está em cima.

O sistema de gestão democrática funciona bem quando existe colaboração e real desejo, de todos, de fazer o melhor. Quando o resultado do embate político é a união e a concórdia, tudo anda bem. O problema é quando, a pretexto de gestão democrática, a administração escolar se transforma em arena de luta de classes, de reivindicações, disputas e entrechoques. Essas coisas, que no âmbito de uma negociação sindical podem ter todo o propósito, na gestão escolar são danosas, pois dividem, em lugar de unir, e dispersam as forças atuantes, num local e num momento em que elas deveriam, acima de tudo, estar unidas.

Que na gestão democrática os que estão "em baixo" contribuam com sua experiência e sua vivência, é ótimo. Que os administradores não apenas ouçam com respeito e consideração o que ponderam os "de baixo", mas procurem em toda a medida do que for razoável, seguir os conselhos que derem, nada melhor. O que não é possível é colocar todos em pé de igualdade e atribuir o mesmo poder decisório a todos. O normal é quem está "em baixo" querer aumentar salários e melhorar suas condições de vida e de trabalho. Na ótica de quem está "em baixo" isso é o primordial. Mas quem está "em cima" tem uma visão de conjunto e sabe que há outras necessidades fundamentais e prioritárias que não podem ser esquecidas.

Minha posição é, pois, que a gestão democrática é ótima, enquanto aconselhamento, enquanto fornecimento de subsídios importantíssimos, para conhecimento de quem terá que efetivamente decidir. Mas a decisão não pode vir sistematicamente de baixo para cima.

Sei que o que estou dizendo é "politicamente incorreto" e que vou ser tachado de reacionário, preconceituoso, neoliberal e (suprema injúria!) direitista... Por isso, cito em meu abono um testemunho bem insuspeito, o de Lênin. Ele relata, em "Sobre os sindicatos" (Rio: Ed. Vitória, 1961), as dificuldades dos comunistas em organizarem os sindicatos de modo eficiente, com vistas à luta revolucionária. Os primeiros sindicatos quiseram se organizar "de baixo para cima", coerentemente com sua ideologia igualitária, e alguns até sorteavam, entre todos os membros, aqueles que deveriam ocupar cargos diretivos. O resultado foi o caos... Foi preciso, então, modificar o modelo. Passaram a fazer reuniões para todo mundo falar o que bem entendia... desde que a decisão ficasse nas mãos de uns poucos dirigentes que tudo controlavam. E aí as coisas caminharam.

Lênin refutava o mito da espontaneidade das massas revolucionárias, e sustentava que não pode haver um movimento revolucionário sólido sem uma organização de dirigentes estável e que assegure a continuidade de uma linha programática pré-estabelecida; mais ainda, sustentava que quanto maior fosse a base espontânea e massiva do movimento, mais necessária seria a atuação de um pequeno grupo de chefes com real poder decisório. Suas palavras textuais: "quanto mais extensa for a massa que espontaneamente se incorpore à luta e constitui a base do movimento, tanto mais urgente será a necessidade de uma organização dirigente menor e mais sólida".

Penso que ele tinha razão. Que todos opinem, mas poucos decidam. É assim que as coisas andam, tanto nos sindicatos socialistas que preparavam a Revolução de Outubro, quanto nas nossas escolas de hoje. Apesar de mudadas as épocas e as circunstâncias, a natureza humana não mudou, a dinâmica dos grupos e das forças sociais continua a mesma.

 

 

 

 

 

ARMANDO ALEXANDRE DOS SANTOS é historiador e jornalista profissional, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Portuguesa da História.