Quem conhece minha história de vida sabe que, ao ingressar em 1969 na Vanguarda Popular Revolucionária juntamente com sete companheiros secundaristas, fui surpreendido pelo Comando Nacional com a designação para criar e comandar um setor de Inteligência.
O meu conhecimento do assunto se limitava aos filmes do 007 e às novelas policiais de John Le Carré e Graham Greene, mas, no entusiasmo dos meus 18 anos, peguei o touro pelos chifres, esforçando-me ao máximo para colocar-me rapidamente à altura da incumbência.
Foi quando aprendi que, tão importante como possuir informantes bem situados nas altas esferas era fazer uma triagem do que saía normalmente na mídia sobre o inimigo, garimpando aqui e ali informações soltas que equivaliam às pepitas vez por outra encontradas no meio do calhau.
Saí da prisão e fui fazer carreira jornalística, na qual também é muito importante termos uma visão clara das motivações das principais forças do espectro político. Portanto, passei o resto da vida lendo com idêntico interesse o que provém dos amigos e o que provém dos inimigos.
Nesta 3ª feira (6), p. ex., vale muito a pena tomarmos conhecimento dos trechos principais da entrevista à Folha de S. Paulo do representante e porta-voz informal da direita no Supremo Tribunal Federal, o ministro Gilmar Mendes.
Ele é tão influente quanto o seu antípoda, o ministro Luís Roberto Barroso, mas por outros meios: enquanto o Barroso lidera informalmente o bloco dos ministros, digamos, mais progressistas, Mendes tem o apoio escrachado dos chefões da mídia e respectivos editores, editorialistas e puxa-sacos, de forma que suas posições desabam sobre o STF como uma forte pressão dos veículos da grande imprensa, intimidando parte do colegiado.
Para piorar, Mendes entende do riscado e consegue desencavar argumentos (ou sofismas) para sustentar qualquer tese ou postura, mesmo as mais indefensáveis. E o faz com afirmações bombásticas que acabam colocando-o permanentemente em evidência, apoiado por uns e detestado por outros.
Daí o interesse de sabermos o que Mendes pensa ou quer que os outros pensem sobre oimbroglio jurídico envolvendo a elegibilidade ou não do ex-presidente Lula. São afirmações que podem muito bem ser rebatidas, mas não devem ser ignoradas.
Folha - Com a experiência de presidir o TSE e comandar eleições, qual é a possibilidade, na sua opinião, de Lula chegar ao dia das eleições, 7 de outubro, como candidato?
Gilmar Mendes - A inelegibilidade depois de uma condenação em segundo grau talvez seja uma das poucas certezas que a gente tenha em relação à Lei da Ficha Limpa.
Mas já não houve candidatos que concorreram mesmo depois de condenados?
A não ser que se consiga a suspensão da condenação no âmbito penal, a pessoa está fora do processo. A condenação é quase que uma inelegibilidade aritmética.
Não há a possibilidade de a tramitação do caso se prolongar no TSE a ponto de ele concorrer até o fim?
Acho muito difícil, nesses casos de grande visibilidade [que o processo demore], porque isso envolve a autoridade da Justiça Eleitoral. Em geral a nossa orientação tem sido a de acelerar esses processos, para evitar uma chicana.
E qual é a possibilidade de o STF garantir Lula na eleição, por meio de uma liminar?
O Supremo já declarou várias vezes a constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa. Não me parece que haja essa possibilidade. Não estou falando do caso concreto, mas sim das práticas que nós temos tido.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, disse que usar o caso de Lula para rediscutir a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância seria apequenar o tribunal.
A questão vai chegar de um jeito ou de outro no Supremo. E Lula tem todo o direito, constitucional, de recorrer.
Eu estou dizendo isso. Não sei quantos ministros nomeados por ele falariam o mesmo. Mas é legítimo direito do presidente buscar a proteção dos seus direitos. Deixar de apreciar [o caso de Lula] seria discriminatório. Me parece óbvio, cristalino. A questão será discutida. O que pode ser decidido? Resultado, só depois do jogo.
O STF, e o senhor especialmente, têm recebido inúmeras críticas. Uma delas é a de que o tribunal agrava a crise no país ao permitir a insegurança jurídica.
Vivemos momentos peculiares, obviamente. Assumimos uma centralidade que não deveríamos ter. Passou-se a levar para o STF questões que não deveriam passar por lá. Mas o tribunal atuou ao longo dos anos de forma adequada...
...houve muitas mudanças ao longo dos anos [na composição do STF]. Eu tinha um temor de que, naquele quadro político conturbado [dos governos do PT], houvesse um tipo debolivarianização do tribunal, de se indicar agentes políticos para novas vagas.
...houve muitas mudanças ao longo dos anos [na composição do STF]. Eu tinha um temor de que, naquele quadro político conturbado [dos governos do PT], houvesse um tipo debolivarianização do tribunal, de se indicar agentes políticos para novas vagas.
Hoje a gente vive uma bolivarianização de forma invertida. Não é mais um agente político que manda o tribunal decidir desta ou daquela maneira. Alguns ministros, em alguns casos, decidem de acordo com o que as ruas podem imaginar que é justo.
Nossa função é decidir de forma contramajoritária. E não bater palma para maluco dançar. Se perguntarmos o que as pessoas querem em relação aos que praticaram crimes, é pena de morte. Linchamento. Até se compreende esse sentimento. Mas o tribunal não pode ecoar esse tipo de coisa. Tem ecoado muitas vezes. E se tornou caixa de ressonância do Ministério Público. Em certos casos, passou a ser carimbador [de decisões do MPF], e de forma vexatória.
O que terão a dizer os ministros que foram alvos das muitas alfinetadas distribuídas por Gilmar Mendes ao longo da entrevista?
Aguardam-se bate-bocas nas próximas sessões, com o tempo esquentando ainda mais quando estiverem em discussão questões importantes e atingindo fervura máxima ao entrar em pauta o debate decisivo no tocante à inelegibilidade ou não do Lula. (Celso Lungaretti)