Gosta muito de comer? Afinal, não é a "gula" que explica a obesidade
Ao contrário do que muitos especialistas têm defendido, o "vício" da comida não explica a obesidade. Esta é pelo menos a conclusão de um novo estudo realizado por cientistas do Centro Champalimaud (CC), em colaboração com outros centros portugueses, que refere que o prazer que se retira do ato de comer não é o fator de risco no aumento de peso.
"A questão de base já faz parte da psicologia popular: ouve-se frequentemente dizer que a obesidade 'é como uma dependência'", diz Albino Oliveira-Maia, psiquiatra e neurocientista do CC que liderou o estudo, cujos resultados estão publicados online na revista Scientific Reports, do grupo da revista Nature. "Não há provas claras de que a fome hedónica [vontade de comer por prazer] esteja relacionada com o peso", diz o cientista.
"O prazer de ingerir alimentos é um comportamento natural e saudável que, na obesidade, adquire contornos particulares", acrescenta Gabriela Ribeiro, nutricionista clínica e primeira autora do artigo, em conjunto com a psicóloga Marta Camacho. "O prazer alimentar contribui para esse excesso [de peso], mas o que mostrámos é que isso não explica a maioria dos casos de obesidade", diz a nutricionista.
O estudo partiu da análise de três "amostras" de adultos: 123 doentes clinicamente obesos - ou seja, com índice de massa corporal, ou IMC, superior a 30 -; 278 estudantes do ensino profissional e superior; e ainda, para confirmar as suas conclusões num grupo maior, 865 pessoas globalmente representativas da população portuguesa.
Para avaliar a fome hedónica dos participantes, a equipa recorreu a uma escala conhecida como PFS (Power of Food Scale), utilizada no mundo inteiro e que, a partir de um questionário, permite atribuir à fome hedónica de cada pessoa um valor de 1 (mínima) a 5 (máxima).
A idade, o nível de instrução e o género podem ser preditivos de apenas 6% da variabilidade do peso
Analisando a relação entre peso e fome hedónica, os investigadores perceberam que do grupo das pessoas que tinham obtido 1 ou 2 pontos na escala FPS, apenas 10% eram obesos, enquanto entre as que tinham 4 e 5 pontos, o número de obesos subiu para 40%. A análise mostrou ainda que em cada aumento de um ponto na escala, a probabilidade de se ser obeso/a quase duplicava.
Tendo em conta estes resultados, parece que, afinal, o prazer pela comida explica a obesidade. No entanto, os cientistas também mostraram que "a fome hedónica explica menos de 10% da variabilidade do IMC.
"A recompensa alimentar não é a principal explicação da obesidade", salienta Oliveira-Maia. "Portanto, a "dependência" da comida não conta a história toda", acrescenta o cientista. No seu conjunto, a idade, o nível de instrução e o género podem ser preditivos de apenas 6% da variabilidade do peso, explicam os autores, pelo que os 10% atribuíveis à escala PFS podem ter alguma importância. "Ainda temos de procurar os outros 84%", diz Oliveira-Maia.
Para os investigadores, o resultado do estudo é importante "porque é preciso basear as decisões relativas à saúde das pessoas em resultados reais e não em opiniões", diz Oliveira-Maia, que refere ainda o facto deste ser "o primeiro estudo que caracteriza e quantifica as associações entre a PFS e o IMC".
As conclusões podem também influenciar "as intervenções de saúde pública que visam controlar o ambiente alimentar", refere o neurocientista do Centro Champalimaud.
ADELINO MEIRELES/GLOBAL IMAGENS