Hoje é noite de Óscares: 'A Forma da Água' lidera em ano de controvérsias

4 de março de 2018 446

Ofilme ‘The Shape of Water’ (‘A Forma da Água’), de Guillermo del Toro, é aquele que segue para a edição deste ano de entrega dos Óscares com mais nomeações, incluindo algumas das principais: Melhor Filme, Melhor Realização (Guillermo Del Toro), Melhor Atriz (Sally Hawkins), Melhor Argumento Original (Guillermo Del Toro e Vanessa Taylor), Melhor Atriz Secundária (Octavia Spencer) e Melhor Ator Secundário (Richard Jenkins).

 

Mais especial ainda é o facto de entre as 13 nomeações estarem destacados dois lusodescendentes: Nelson Ferreira (Melhor Montagem de Som, com Nathan Robitaille) e Luis Sequeira (Melhor Guarda-Roupa). É a primeira nomeação para os dois. O segundo, Luis Sequeira, que entretanto venceu um prémio do sindicato norte-americano dos figurinistasafirmou em entrevista ao Notícias ao Minutoque já se sente um vencedor com a nomeação.

O romance em forma de um negro conto de fadas poderá, portanto, sagrar-se o grande vencedor da noite, embora um grande número de nomeações não signifique necessariamente um número equivalente de estatuetas. Nos Globos de Ouro, por exemplo, ganhou dois prémios entre as sete nomeações. Em sua defesa, levou uma das principais: Melhor Realizador.

Logo a seguir, com oito nomeações, está ‘Dunkirk’, de Christopher Nolan. O drama de guerra do veterano realizador está nomeado nas categorias de Melhor Filme e Melhor Realizador, sendo as restantes técnicas. Acima nas preferências, embora não nas nomeações, está ‘Three Billboards Outside Ebbing, Missouri’ (‘Três Cartazes à Beira da Estrada’), de Martin McDonagh, com nomeações entre as principais categorias: Melhor Filme, Melhor Atriz (Frances McDormand), Melhor Ator Secundário (Woody Harrelson e Sam Rockwell) e Melhor Argumento Original (McDonagh).

‘Darkest Hour’ (‘A Hora Mais Negra’), de Joe Wright, soma seis nomeações, sendo a principal na categoria de Melhor Filme. ‘Call Me By Your Name’ (‘Chama-me Pelo Teu Nome’), de Luca Guadagnino, e ‘Get Out’ (‘Foge’), de Jordan Peele, juntos com quatro nomeações, são duas das maiores surpresas, criando muita expetativa em relação à noite deste domingo. Poderá a cerimónia acabar com um 'plot twist', como a do ano passado? Confira os nove nomeados na galeria acima e os restantes aqui.

Surpresas positivas e barreiras quebradas

Não se pode dizer que os Óscares não mudam. Nos últimos anos, cada uma das edições tem sido marcada por discussão ou polémica diferente e todos os anos a Academia de cinema norte-americano tenta ajustar os seus padrões para melhor se ajustar à atualidade, uma falha atribuída, não raras vezes, à elevada média de idades dos seus membros, incapazes de julgar o cinema como uma arte em constante renovação.

Mas divagamos. Este ano de 2018, há surpresas positivas ao nível de nomeações, muito embora num ano pejado de polémicas (lá chegaremos). Greta Gerwig e Jordan Peele, ambos com nomeações para Melhor Realizador e Melhor Filme, por ‘Lady Bird’ e ‘Get Out’, respetivamente, são um sinal positivo de alguma alteração nos cânones da Academia, no que diz respeito às mulheres e às minorias.

Veja-se a categoria de Melhor RealizadorGreta Gerwig, uma jovem realizadora, atriz e argumentista de 34 anos, é nomeada com o seu primeiro trabalho (‘Lady Bird’) atrás da câmaras e torna-se – apenas – na quinta mulher a ser nomeada nesta categoria. Paralelamente, o ator e argumentista Jordan Peele, de 39 anos, é apenas o quinto realizador negro a ser nomeado, também com o seu primeiro filme. Melhor: Peele é o primeiro realizador negro a ser nomeado em três categorias (incluindo Melhor Filme). O facto de um filme ser um thriller pincelado a terror também não pode ser ignorado. Desde ‘Black Swan’ (2010) que um filme deste género não era destacado como Melhor Filme.

No que respeita a estreias, Rachel Morrison é a primeira mulher a ser nomeada na categoria de Melhor Fotografia, pelo seu trabalho em 'Mudbound', e Yance Ford é o primeiro realizador transgénero assumido a ser nomeado para um Óscar (Melhor Documentário, 'Strong Island'). 

Algumas consequências imediatas da luta contra o assédio sexual em Hollywood

Não existirá, provavelmente, indumentária monocromática em honra do movimento ‘Me Too’, de sensibilização pelo fim do assédio sexual em Hollywood – que depois originou o fundo ‘Time’s Up’, para ajudar vítimas de todos os quadrantes da sociedade norte-americana. O rasto deixado por este corajoso movimento não passa, no entanto, despercebido.

O inconstante James Franco assumiu a dupla responsabilidade de realizar e interpretar o filme ‘The Disaster Artist’ (‘Um Desastre de Artista’) e fê-lo muito bem. A longa-metragem é uma adaptação do livro homónimo de Greg Sestero sobre o filme ‘The Room’, criado pelo excêntrico Tommy Wiseau, que se tornou numa obra de culto, apelidada de “o melhor pior filme de sempre”.

A sua interpretação das idiossincrasias de Wiseau é, sem dúvida, uma das mais inspiradas da sua carreira, um trabalho também muito bem executado ao nível da realização. Parecia uma aposta ganha nos Óscares, pelo menos na categoria de Melhor Ator (tendo, inclusive, conquistado o galardão nos Globos), mas o ressurgimento de alegações de assédio sexual por parte do ator puseram-no completamente de lado. A conversa em torno de Franco cessou e o ator foi silenciosamente ‘apagado’ da capa da Vanity Fair sobre os Óscares. O filme conseguiu apenas uma nomeação, Melhor Argumento Adaptado, uma categoria onde Franco nem sequer está envolvido, ou seja, o ator nem precisa de estar presente na cerimónia (e não estará, certamente).

Um outro filme que ficou pelo caminho – aparentemente – por causa de alegações em torno de assédio sexual, foi ‘All The Money in The World’ (‘Todo o Dinheiro do Mundo’). Realizado por Ridley Scott, exímio em filmes de grande arcabouço, e ainda por cima sobre uma personalidade como o bilionário Jean Paul Getty, o drama seria, pelo menos no papel, uma aposta ganha. Não foi assim.

O ator escolhido para interpretar o papel principal, Kevin Spacey, viu-se envolvido em graves acusações de assédio por antigos colegas de profissão e foi substituído quando as filmagens estavam quase terminadas. Christopher Plummer foi chamado e salvou o papel – conseguiu a única nomeação – mas não o filme, que acabou quase sem nomeações.

Racismo, pedofilia, plágio. Um ano de controvérsia

'Three Billboards Outside Ebbing, Missouri'

A comédia negra de Martin McDonagh, sobre uma mãe numa cruzada para encontrar justiça para a morte violenta da sua filha, estreou-se no festival de cinema de Toronto com críticas muito positivas, mas quando chegou aos cinemas o entusiasmo diminuiu um pouco. Um dos principais pontos de discussão é a personagem do polícia interpretado por Sam Rockwell, obrigando o próprio realizador a intervir na discussão para sublinhar a moralidade propositadamente flexível da personagem. Talvez a comédia não justifique a indulgência para com o racismo, argumentam uns. Talvez o argumento tenho sido feito à pressa, rebatem outros. De qualquer forma, a controvérsia acalmou um pouco a exultação em torno da obra.

'I, Tonya'

Ignorado na categoria de Melhor Filme (com nomeações para Melhor Atriz, Melhor Atriz Secundária e Melhor Montagem), a obra sobre Tonya Harding, uma figura pública envolvida num caso muito polémico, conta uma história de sobrevivência pessoal sem decalcar bons e maus, antes com uma exposição da gradação de cinzentos que compõe a luta contra o próprio contexto social – contra o preconceito, contra a violência física e psicológica.

Mesmo sendo um filme muito bem conseguido nesse aspeto, ficou-se por três nomeações e fora da principal, facto discutido com desagrado por alguns fãs. Uma das razões apontadas é a pintura pouco condenatória da violência doméstica e dos abusos psicológicos, com algumas das personagens a saírem (quase) incólumes desses crimes, ou até a glorificação de uma figura pública associada a um crime.

'Call Me By Your Name'

Um dos mais belos filmes do ano, ‘Call Me By Your Name’ é, porém, centrado na relação homossexual entre um homem adulto (24 anos) e um menor (19 anos). Nos Estados Unidos, a maioridade atinge-se aos 21 anos e o filme, logo à partida, foi severamente criticado por aquiescer com uma relação que se criticou como sendo de pedofilia, embora em Itália (onde o filme foi realizado) a maioridade se atinja aos 18 anos.

James Woods foi, inclusive, um dos principais detratores do filme, envolvendo-se numa troca de ‘tweets’ com um dos atores, Armie Hammer. A atriz Amber Tamblyn interveio, porém, trazendo alguma luz sobre a moralidade de James Woods, conforme pode ver abaixo.