Instituto que ajudará Prefeitura com novo modelo para o Parque Harmonia defende ‘choque de gestão’

16 de junho de 2018 300

Os 65 hectares de área verde, que ficavam entre o Arroio Dilúvio e a antiga Ponta da Cadeia, em Porto Alegre, foram batizados com o nome de Parque da Harmonia em 1981. No mesmo ano, o Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) viu ali o lugar para erguer todo setembro seu Acampamento Farroupilha, comemorando a data da Guerra dos Farrapos (1835-1845). Desde o nascimento, o Parque sempre esteve associado ao nono mês do ano e ao tradicionalismo gaúcho. Seis anos depois de sua criação, ele ainda trocou de nome mais uma vez, virando Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. Uma homenagem da Câmara de Vereadores da cidade ao criador do grupo RBS.

Apesar de ter tido áreas de recreação infantil, futebol de areia e quadras de vôlei, a imagem do Harmonia sempre esteve associada ao evento que ocupa todo mês de setembro. E é no rumo dele que deve caminhar o plano que a Prefeitura de Nelson Marchezan Júnior (PSDB) tem para a área. No dia 8 de junho, a Prefeitura de Porto Alegre assinou um acordo com o Instituto Semeia, de São Paulo, para buscar qual seria “a melhor proposta de desenvolvimento e aproveitamento do Parque”.

“Não temos nada previsto. A gente vai fazer um procedimento de manifestação de interesse, no qual vamos receber propostas de desenvolvimento e aproveitamento do Parque. Não tem uma definição do tipo de projeto que vai ser, mas tem as diretrizes principais: preservação das características do Parque e adequação e qualificação da infraestrutura necessária para o Acampamento Farroupilha”, explica o secretário de Parcerias Estratégicas, Bruno Vanuzzi.

Segundo ele, o governo espera encontrar propostas que tragam “estruturas mais permanentes, situação de previsibilidade”, “mais conforto e estrutura mais qualificada” para a realização do Acampamento Farroupilha, além de soluções para problemas de drenagem, iluminação, lixeiras, etc. Porém, ainda não se sabe o tipo de “parceria” que será firmada. Vanuzzi afirma que poderá ser através de contrato de gestão, organização da sociedade civil, parceria com entidades ou concessão. A definição deve sair em um ano.

Na busca pelo modelo ideal, pela segunda vez, a gestão tucana de Porto Alegre se encontrou com o Instituto Semeia. A primeira tinha acontecido quando o grupo auxiliou Marchezan com a revisão de um projeto de lei para dar mais garantias em concessões e adoção de parques. Um tipo de arcabouço jurídico que daria mais segurança a investidores desses projetos. Criado em 2011, o Semeia é uma ONG mantida pela família de Pedro Passos, um dos fundadores da Natura, para trabalhar com parques e áreas protegidas do Brasil. Sem contrapartida ou pagamento, a organização se dispõe a ajudar parques do Brasil a elaborar a melhor forma de se administrar.

“O que existe é uma intenção de atrair iniciativa privada para prestar mais e melhores serviços no Parque, porque ali a coisa está muito concentrada num período do ano. No resto do ano, o Parque acaba não tendo a utilização do potencial que ele poderia. Existe essa intenção e todo um processo de modelagem desse projeto”, explica o diretor-executivo do Semeia, Fernando Pieroni.

Pieroni conta que visitou o Parque uma vez. Sua impressão de “visitante”, diz ele, é de que se trata de um “um parque urbano, subaproveitado, carece de infraestrutura e melhores serviços e precisa fortalecer sua vocação de valorizar a cultura gaúcha”. A resposta para isso, para ele, estaria em “um choque de gestão”. “São essas impressões assim que [me parece] uma pedra bruta a ser lapidada”.

“O que a gente faz é tentar identificar modelos inovadores da gestão em parques, para tentar apoiar o poder público na aplicação desses modelos. E aí tem uma infinidade de modelos, pode ser concessão, PPP, parceria com o terceiro setor, adoção de parques. A gente procura identificar esses modelos, as características deles, sentar com o poder público e ajudar a pensar em como adotar esses modelos e viabilizar essas parcerias com a iniciativa privada”, explica.

O instituto também fez parcerias com a Prefeitura de João Doria (PSDB) e o governo de Geraldo Alckmin (PSDB), em São Paulo. Além de trabalhos no Mato Grosso, Paraná e terem auxiliado a Prefeitura de Nova Petrópolis, no Rio Grande do Sul, com um relatório de aprimoramento para a concessão do Parque Aldeia do Imigrante. A cidade fez edital, mas não apareceram interessados no processo licitatório.

Restos de pertences de pessoas em situação de rua, que viviam no Harmonia, e foram removidas pela prefeitura, em janeiro deste ano | Foto: Joana Berwanger/Sul21

Durante o ano, Parque é casa de quem não tem casa

As discussões sobre a melhor forma de se aproveitar o Parque, no entanto, ainda não incluem um fator importante durante os outros onze meses do ano. Com suspensões e cortes no programa de aluguel social e remoções de outras áreas da cidade, o Parque se tornou há anos refúgio de dezenas de pessoas em situação de rua na Capital. Além da localização estratégica, perto do Centro Histórico, a infraestrutura mínima de banheiros, já ajuda quem está sem casa.

Já em época de Páscoa, como o Sul21 contou em uma reportagem publicada em março, as pessoas que vivem nas ruas acabam dividindo espaço com o acampamento indígena vindo de várias partes do Estado para vender artesanato na capital. No entanto, nenhuma das duas questões chegou a ser debatida objetivamente nas discussões ocorridas até agora sobre o destino do Harmonia.

“Vai ser objeto de algum tipo de solução, não é esse o objetivo do estudo. O objetivo do estudo é resolver o problema do Parque e não o problema de habitação da cidade. O problema de habitação da cidade, temos o Demhab (Departamento Municipal de Habitação) para isso, e vamos ter que abordar de uma forma ou de outra. Tem que saber separar, uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”, defende o secretário Vanuzzi. “O Parque não foi projetado para ser residência de ninguém. A gente tem que ter bem claro que a situação de ter pessoas, moradores de rua, dormindo lá, é uma situação que tem que ser solucionada. Mas não uma coisa que deva ser qualquer impeditivo para que a população frequente o Parque”.

Questionado da mesma maneira pela reportagem, Pieroni disse que a questão “extrapola os próprios limites da discussão de uma parceria”.

“Se o poder público olha com mais atenção para esse Parque, traz alguém com mais flexibilidade, com mais capacidade para gerir o Parque, a expectativa é que essa questão seja equacionada, pelo menos até resolver problemas maiores. Mas, acho que um caminho natural, quando a gente pensa nessas parcerias, é realmente dar um choque de gestão no Parque e que essas questões acabem sendo equacionadas”, avalia ele.

A secretaria de Parcerias Estratégicas estaria trabalhando com prazo de um ano para anunciar qual o melhor modelo de gestão e o melhor plano apresentado para o Parque. Antes disso, mesmo que um jornal local tenha se adiantado em apelidar o projeto futuro da área de “Disney gaudéria”, Pieroni afirma que “qualquer tipo de pronunciamento ou afirmação sobre o que será, lá na frente, o Parque, é um pouco prematuro”. A única premissa que já estaria estabelecida é a de “fortalecimento da cultura gaúcha”.

 

Foto: Guilherme Santos/Sul21