Investigadores não têm dúvidas de que ex-secretário preso visava vantagem pessoal ao se encontrar com traficantes

19 de agosto de 2021 225

RIO - Investigadores da Polícia Federal e do Ministério Público Federal não têm dúvidas de que a negociação entre o então secretário de Administração Penitenciária, Raphael Montenegro, e os principais chefes do tráfico do Rio tinha como propósito alguma outra vantagem, além da trégua na violência. Uma das linhas é a de interesses políticos. Com a análise do conteúdo existente em celulares, computadores e documentos apreendidos na operação realizada anteontem, os policiais acreditam que será possível ficar mais claro quais foram as “cláusulas” dos acordos que vinham sendo costurados, inclusive se no âmbito financeiro, para trazer os detentos do Presídio Federal de Catanduvas, no Paraná, para o sistema do Rio.

Para o superintendente da Polícia Federal, Tácio Muzzi, a apreensão de R$ 250 mil em reais e moedas estrangeiras na casa de Montenegro, na Urca, durante a operação Simonia, como foi batizada pelos agentes, acabou se tornando uma forte evidência contra ele. A ação, que ocorreu anteontem, levou para a prisão, além do então secretário, dois ex-subsecretários da Administração Penitenciária (Seap). Montenegro foi exonerado do cargo assim que operação foi desencadeada.

— A questão da vantagem, talvez num primeiro momento, seja uma captação política. Com o cumprimento do mandado de busca e apreensão, a investigação vai se aprofundar sobre esse ponto. Na casa do principal alvo, foi apreendida uma quantidade grande de dinheiro. Esta etapa foi deflagrada para um aprofundamento. Havia um risco, sobretudo por conta dos pareceres que o alvo fazia em favor de presos. Qual seria a vantagem indevida auferida? É isso que vamos buscar a partir de agora. Será com base nas buscas, além de outras medidas judiciais. Possivelmente, algum capital político para os envolvidos. É a partir de agora que iremos avaliar se houve alguma vantagem indevida — afirmou o superintendente.

Montenegro não escondia que pretendia trazer os presos federais de volta para o Rio. Não à toa, ele convidava desembargadores e juízes aos presídios por ele administrados, para provar que era possível manter a tranquilidade nas cadeias. Com isso, ele tentava persuadir os magistrados sobre a possibilidade de eles mudarem de opinião a respeito manutenção de apenados em unidades federais em outros estados. A dificuldade, no entanto, era convencer os juízes da Vara de Execuções Penais (VEP) e promotores, que atuam na área prisional e conhecem como ninguém o sistema penitenciário do Rio.

Cooperação dos chefes

De acordo com as investigações da Polícia Federal, nos diálogos captados por escuta ambiental em Catanduvas, nos dias 27 e 28 de maio, Montenegro deixa clara a existência de um acordo de trégua com intenções políticas. Na decisão do desembargador Paulo Cesar Morais Espírito Santo, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, ele escreve que, segundo a autoridade policial, o ex-secretário e seus assessores diretos se passavam como os “principais nomes da segurança pública” do Rio, com o objetivo de mostrar que eles teriam o poder de trazer os chefões do tráfico de volta.

Um trecho da decisão judicial reforça essa atuação com viés político: “Em tese, a ‘cooperação’ de líderes da principal facção do estado seria alcançada de forma não a reduzir a atuação da organização criminosa, mas mitigar a produção de noticiário negativo contra a segurança pública do Rio. Tudo isso, segundo o delegado, à custa de um incremento sensível do risco à garantia da ordem pública”.

No pedido de prisão que fez contra Montenegro e os ex-subsecretários Sandro Faria Gimenes e Wellington Nunes da Silva, o procurador da República Carlos Aguiar escreveu que há evidências políticas na ida a Catanduvas. Diz ele: “No dia anterior à visita do secretário, a direção da unidade penitenciária foi comunicada pela Diretoria de Inteligência Penitenciária/Regional Sudeste (DIPSE) que o secretário de Estado teria intenções de propor negociações escusas com os líderes do Comando Vermelho para obtenção de vantagens políticas e pessoais. A informação teria sido encaminhada de forma anônima ao órgão”.

Convite a magistrados

Além da visita a Catanduvas, onde conversou com dez chefões do tráfico de duas facções criminosas, Montenegro tentou influenciar magistrados classificando presos positivamente. Foi o caso do traficante Rodrigo Barbosa Marinho, o Tineném, que está na unidade federal. Ele só não retornou ao Rio porque o juiz titular da VEP do Rio, Marcello Rubioli, foi contra.

Outra situação polêmica foi a soltura do preso Wilton Carlos Rabello Quintanilha, o Abelha, de 50 anos, mês passado, que tinha mandado de prisão pendente. Um dos chefes da maior facção do Rio, ele cumpria pena no Presídio Vicente Piragibe, no Complexo de Gericinó.

Chama atenção que o então secretário esteve no Vicente Piragibe quatro vezes, quase seguidas, antes de liberar Quintanilha de vez. Na primeira, no dia 23 de julho, ele assistiu a um torneio de futebol na cadeia. No dia seguinte, foi flagrado entrando na unidade onde acontecia a festa de aniversário do bandido, com direito a bolo e salgadinhos. Dois dias depois, Montenegro voltou para acompanhar a soltura do detento, mas que só aconteceu no dia 27. O próprio Montenegro admite que esteve no local e assinou com mais quatro servidores o formulário para libertá-lo.

Ontem, o caso de Montenegro foi transferido para a primeira instância da Justiça Federal porque o acusado perdeu o foro privilegiado ao ser exonerado.

Fonte: EXTRA/Vera Araújo