Jovem que largou tudo para viver com filho de Olavo relata abusos e ameaça
A coluna começou a publicar, na quinta-feira (27/6), uma série de reportagens com relatos de violência física, psicológica e sexual, humilhações e abusos atribuídos a Tales de Carvalho, um dos filhos do escritor Olavo de Carvalho, morto em janeiro de 2022. Hoje, a coluna conta a história de uma menina que conheceu Tales quando ainda era menor de idade e, aos 18 anos, deixou para trás os estudos e a família, às escondidas, para se casar e viver com ele. Essa quarta denunciante também afirma ser vítima de Tales de Carvalho. Por medo de represálias, ela concordou em falar com a coluna sob condição de anonimato e, portanto, será identificada como X. Não prossiga a leitura ou procure ajuda caso os temas tratados nesta reportagem causem desconforto ou despertem em você lembranças de alguma experiência negativa.
Na primeira parte da série, Tales foi denunciado por Calinka Padilha de Moura, sua ex-mulher, e duas de suas filhas, Julia e Ana Clara Moura de Carvalho, que relataram agressões e torturas do empresário contra Calinka e a atual esposa de Tales. Elas também disseram existir uma seita no Instituto Cultural Lux et Sapientia (ICLS), escola de cursos fundada por Tales há 10 anos. A entidade foi apontada nos relatos como canal para ele angariar dinheiro de alunos e “benfeitores” e se aproximar de mulheres com o objetivo de conseguir casamentos. O filho de Olavo de Carvalho se diz muçulmano desde 1998. A história narrada por X ilustra e amarra os dois pontos dos relatos de Calinka e das filhas: o ICLS como terreno para investidas sobre mulheres e para abusos supostamente cometidos por ele
A jovem conheceu Tales aos 17 anos, por meio do ICLS. Ela tinha amigos que assistiam a aulas do instituto, criado por Tales e seu irmão Luiz Gonzaga de Carvalho Neto. Conhecido como Gugu, Luiz é apontado nos depoimentos de Calinka, Julia, Ana Clara e da jovem como uma espécie de guru do ICLS, profundamente admirado pelos frequentadores dos cursos. É Gugu o responsável pelo conteúdo do “Seminário de formação” vendido pelo ICLS. Nas palavras das denunciantes, no entanto, ele criou uma doutrina em torno das próprias ideias, distorcendo fragmentos de diversas religiões.
Embora, à época, já tivesse lido na internet e ouvido histórias negativas sobre integrantes da família Carvalho, X contou na entrevista não ter acreditado nos relatos. Tratadas entre alunos do ICLS como “boataria”, as narrativas não resistiram aos testemunhos de alunos do ICLS sobre a “respeitabilidade, a fé e o profundo conhecimento” dos irmãos Carvalho, filhos do polemista Olavo, considerado um dos maiores teóricos da extrema direita brasileira. Enquanto Gugu é a figura mítica do instituto, o astrólogo Tales, nas palavras da jovem, parecia-lhe um professor “duro”, “bem respeitado”, religioso e extremamente inteligente, mas “acessível”. Ela também o distinguia como o responsável pela parte empresarial do ICLS — o dono da escola.
Os contatos da jovem com Tales de Carvalho, ainda na adolescência dela, conforme o relato, não eram tão frequentes, mas tinham certa periodicidade em razão dos eventos e das lives do ICLS, até que ele a pediu em casamento. Balançada com a ideia de se tornar mulher dele, sobretudo pela admiração intelectual que mantinha por Tales, a jovem partiu rumo ao Paraná e deixou a família em seu estado de origem. Os detalhes sobre datas e locais serão ocultados para preservar a identidade de X.
Os familiares só souberam do casamento depois, já em meio ao desespero pelo sumiço repentino da filha. Ela desapareceu numa terça-feira e, no sábado, informou aos pais que estava casada com Tales, já convertida do catolicismo para o islamismo. “Eu pedia que ele me passasse o telefone, o endereço, e ele dizia ‘não, não vou passar’”, contou o pai da garota à coluna. Os pais da moça sequer sabiam que ela frequentava cursos do ICLS. Muito menos que falava com um homem décadas mais velho e que conversava sobre casamento.
Após o casamento, a jovem passou a morar com Tales de Carvalho na casa que ele dividia com outras duas esposas, em Curitiba. Uma dessas mulheres, ex-enteada da mãe de Tales, está casada com ele desde o começo dos anos 2000. Separada de Tales desde abril de 2021, Calinka afirmou que ele pediu essa mulher em casamento quando ela tinha 12 anos, para ser sua “segunda esposa”. Tales disse, por meio de uma nota enviada por seu advogado, que o casamento ocorreu quando a jovem tinha 14 anos, idade a partir da qual uma relação sexual não caracterizaria estupro de vulnerável.
Ao passar a viver com Tales de Carvalho, as impressões da sua nova esposa sobre ele começaram a se dissipar. Ela afirma que ele não demonstrava, dentro de casa, ser um homem apegado à religião — um dos traços que ela mais valorizava, assim como a suposta inteligência fora do comum. Tales não era visto rezando ou lendo escrituras islâmicas, por exemplo.
O filho de Olavo, segundo o relato, também acabou mostrando-se extremamente controlador. A jovem contou que Tales vetava amizades de suas esposas com qualquer homem e até com mulheres cujo perfil não agradasse a ele. Questionamentos das mulheres eram proibidos. Com um tempo, Tales mostrou-se um homem agressivo, em mais um contraste à imagem de homem religioso que ela admirava inicialmente. Certa vez, X disse ter temido ser agredida quando o questionou sobre um relacionamento anterior dele. “Naquele dia, ele foi supergrosso comigo, superagressivo. Ele era agressivo demais”, afirmou. “Desde o início, quando eu cheguei lá, até sair, tinha bastante medo dele.”
Além de violência psicológica, a jovem relatou ter se sentido abusada sexualmente por práticas das quais não gostava, mas que fazia por medo da reação de Tales diante de sua discordância. “De muitas maneiras, eu me sinto, de certa forma, abusada. Eu acho que, se eu não estivesse lá, eu não teria feito metade das coisas que eu fiz, porque não parecia ser eu ali. Era mais uma questão de eu ter que me moldar para viver naquela vida que ele fez”, afirmou.
A história e os relatos da jovem, que não está mais casada com Tales de Carvalho, e de seus familiares corroboram a descrição feita pela ex-mulher e por duas filhas do empresário e astrólogo sobre o modo como ele age com mulheres. Segundo contaram à coluna, Tales se vale da alegada fé islâmica para fazer pedidos repentinos de casamentos que, quando aceitos, são seguidos por estratagemas para afastar as esposas da família e romper quaisquer laços que tenham fora do relacionamento. A partir daí, contaram as denunciantes, ficam à mercê de abusos e violências.
No caso da jovem ex-esposa de Tales, ela relatou à coluna que o empresário exigia que as mulheres com quem vivia dissessem em público, quando questionadas, que estavam com ele por livre e espontânea vontade. Segundo X, ele citou um termo a ser assinado com esse conteúdo, mas que não chegou a ser levado a ela.
“É uma pessoa agressiva e que usa você. No início, antes de eu conhecer de fato o Tales, eu admirava demais ele como pessoa, porque ele para mim era uma pessoa super-religiosa, uma pessoa superinteligente, superculta. E aí, quando você vai, chega lá, não é tão verdade assim. Você é só um objeto”, resumiu a jovem, explicando na sequência: “Agora, quero ver ele preso”.