Mapa identifica “correntes ocultas” em nossa região do universo

13 de agosto de 2019 615

As regiões vermelhas indicam as localizações de densos aglomerados de galáxias, que vêm crescendo e evoluindo desde a época do Big Bang. As linhas mostram como as galáxias individuais se movem em resposta à tração desses aglomerados, fluindo essencialmente "para baixo" para os locais onde a gravidade é mais forte. Imagem: B. Tully/Universidade do Havaí

O astrônomo Brent Tully, do Instituto de Astronomia da Universidade do Havaí (IfA), e uma equipe internacional divulgaram um novo estudo que revela em mais detalhes a vasta estrutura cósmica que cerca a nossa Via Láctea. O trabalho, que mostra que o universo é uma tapeçaria de congregações de galáxias e vastos vazios, foi publicado em julho no periódico “The Astrophysical Journal” e abordado nos sites da Universidade do Havaí e da NBC News.

Para produzir o estudo, a equipe de Tully aplicou as mesmas ferramentas de um trabalho anterior destinado a mapear o tamanho e a forma de uma enorme região vazia chamada de Vazio Local (Local Void, em inglês), que faz fronteira com a Via Láctea. Usando as observações dos movimentos da galáxia, eles inferiram a distribuição da massa responsável por esse movimento e construíram mapas tridimensionais desta região do universo.

As galáxias não apenas se movem com a expansão geral do universo, mas também respondem ao puxão gravitacional de seus vizinhos e regiões com muita massa. Como consequência, em relação à expansão global do universo eles estão se movendo em direção às áreas mais densas e longe de regiões com pouca massa – os vazios.

Embora vivamos em uma metrópole cósmica, em 1987 Tully e o colega Richard Fisher observaram que a Via Láctea também está à beira de uma extensa região vazia, que denomiaram Vazio Local. A existência do Vazio Local tem sido amplamente aceita, mas permaneceu pouco estudada porque fica atrás do centro de nossa galáxia e, portanto, está fortemente obscurecida para nossa visão.

 

A influência local

Agora, Tully e sua equipe mediram os movimentos de 18 mil galáxias no compêndio Cosmicflows-3 de distâncias de galáxias. Com isso, construíram um mapa cosmográfico o qual destaca a fronteira entre a coleta de matéria e a ausência de matéria que define a borda do Vácuo Local. Eles usaram a mesma técnica em 2014 para identificar a extensão total do superaglomerado de mais de cem mil galáxias onde fica a Via Láctea, dando-lhe o nome de Laniakea (“céu imenso” em havaiano).

Por 30 anos, os astrônomos têm tentado identificar por que os movimentos da Via Láctea, da grande galáxia mais próxima de nós, Andrômeda, e de seus vizinhos menores se desviam da expansão total do universo em mais de 600 quilômetros por segundo. O novo estudo mostra que cerca de metade desse movimento é gerado “localmente” a partir da combinação de uma atração do imenso aglomerado de Virgem, a cerca de 50 milhões de anos-luz, e da nossa participação na expansão do Vazio Local, conforme ele se torna cada vez mais vazio.

O Cosmicflows envolve apenas quatro elementos básicos, segundo Tully: aglomerados, filamentos, folhas e vazios. Aglomerados, filamentos e folhas são as regiões densas onde as galáxias são comuns. Os nomes descrevem suas formas: aglomerados de galáxias em forma de nó, filamentos semelhantes a cordas e folhas semelhantes a panquecas.

Já os vazios são os lugares comparativamente desocupados entre essas estruturas. Eles representam a maior parte do volume do universo e influenciam fortemente o movimento das galáxias ao redor deles. Os mapas mostram não apenas onde a matéria existe no universo, mas também como e onde ela está se movendo.

 

Correntes ocultas

Os mapas mostram que, sob a força da gravidade, as galáxias tendem a se mover em direção aos aglomerados densos. Daniel Pomarède, da Universidade de Paris-Saclay e principal cartógrafo do grupo de Tully, compara esse processo ao fluxo de rios em bacias oceânicas. Ao mapearem esses movimentos para milhares de galáxias, os pesquisadores descobriram correntes ocultas que atravessam centenas de milhões de anos-luz.

“Podemos criar visualizações em 3D de linhas de fluxo de galáxias, e as vemos convergindo em diferentes ‘bacias’ de atração”, diz Pomarède.

Didático, Tully começa nossa localização cósmica com o ponto “você está aqui”: a Via Láctea, uma galáxia espiral giratória de 100 mil anos-luz de largura com massa de um trilhão de estrelas.

Visão da estrutura ao redor do Vazio Local. A Via Láctea está na origem das setas de orientação vermelho-verde-azul (a cada 200 milhões de anos-luz de comprimento). Estamos em um limite entre um grande vazio de baixa densidade e o aglomerado de Virgem, de alta densidade.
Crédito: B. Tully/Universidade do Havaí

O passo seguinte é o Grupo Local, um conjunto de cerca de 50 galáxias que inclui outra grande espiral, a galáxia de Andrômeda. Todo o conjunto tem cerca de 3 milhões de anos-luz de largura. “Tudo dentro desse volume está em colapso”, diz Tully. Andrômeda por exemplo, vai colidir com a nossa Via Láctea em cerca de 4 bilhões de anos.

No Grupo Local há outros pequenos aglomerados de galáxias que abrangem cerca de 30 milhões de anos-luz. Coletivamente, eles estão dentro de uma estrutura achatada chamada de Folha Local. Recuando a imagem, a Folha Local é apenas uma pequena mancha na parede do muito maior Vácuo Local.

Dentro da Folha Local, também estamos sendo puxados para encontros ainda maiores de galáxias. A mais próxima dessas bacias gravitacionais é o já citado aglomerado de Virgem. Além disso, há um acúmulo de oito aglomerados de galáxias, a cerca de 200 milhões de anos-luz de distância. Os astrônomos chamam isso de o Grande Atrator por causa de sua intensa atração sobre nós.

 

Aglomerado de galáxias

O Grande Atrator, por sua vez, é o centro de um superaglomerado ainda maior (um aglomerado de galáxias) que Tully e seus colegas chamam de Laniakea (“imenso paraíso” em havaiano). Eles descobriram esse superaglomerado há cinco anos.

Maior estrutura já vista, Laniakea engloba cerca de 100 mil galáxias e abrange 500 milhões de anos-luz. É a grande bacia oceânica galáctica para a qual fluem todos os rios locais de galáxias.

Mesmo com os avanços que registra, o Cosmicflows ainda é modesto em absorver toda a extensão ao nosso redor. “O que vimos até agora é um pedacinho minúsculo do universo”, diz Tully.

Ele trabalha em uma nova pesquisa que irá estender seus mapas duas vezes mais fundo no espaço. “Não estamos convencidos de que vimos o nível superior da estrutura e dos fluxos. Pode haver coisas ainda maiores”, diz ele.