Muito além do transcendentalíssimo mistério
Porto Velho, RO – Final e começo de ano são, para mim, enormes prisões temporais de clichês suportáveis exclusivamente por conta do álcool no menu principal – além de tabaco e nicotina como sobremesas. Não obstante, trata-se de período massacrante de reflexões espontâneas que não pedi, invasoras ilegais e completamente mordazes.
Se renovação é a palavra de ordem na transição bucólica cheia de promessas vãs e desejos nostálgicos para um mundo cada vez mais utópico, qualquer cego pode enxergar facilmente apenas por se dar conta da mesmice onde cumprimos prisão perpétua, eis o milagre da visão!
E fomos sentenciados por nossos modos displicentes; pela falta de compromisso com qualquer ideal que não seja angariar dinheiro a esmo e gastar deliberadamente sem controle; completa ausência de empatia; escravidão tecnológica, e zelo demasiado com coisas fúteis a alimentar egocêntricos e narcisistas.
Sequer nos demos conta de quando passou a ser tão importante agradar pessoas que nos detestam.
Discurso anticapitalista? Manifestação anárquica? Opinião de um maconheiro de esquerda? Ímpetos delirantes de um comunista? Não se trata disso.
Aliás, é interessante e desanimador perceber como a sociedade se dividiu em conceitos simplistas e completamente distorcidos pelos seus novos sacerdotes e adeptos. Estes últimos tornam-se, então, verdadeiros comungantes cooptados pela pulsante e atraente difusão de informações reducionistas que, verdadeiras ou falsas, passaram a ordenhar e pasteurizar de maneira industrialmente artificial o potencial nutritivo de vacas leiteiras carentes de marcas de ferro em brasa, implorando diariamente por uma insígnia dolorida enxertada do lagarto ao patinho.
Último credo
Como ama o homem adúltero o adultério,
E o ébrio a garrafa tóxica de rum,
Amo o coveiro — este ladrão comum,
Que arrasta a gente para o cemitério!
É o transcendentalíssimo mistério!
É o nous, é o pneuma, é o ego sum qui sum,
É a morte, é esse danado número Um,
Que matou Cristo e que matou Tibério!
Creio, como o filósofo mais crente,
Na generalidade decrescente
Com que a substância cósmica evolui...
Creio, perante a evolução imensa,
Que o homem universal de amanhã vença,
O homem particular que eu ontem fui! – Augusto dos Anjos
Para pastar é preciso ter um dono, ser propriedade, um semovente, objeto de discussão na partilha de bens ou herança de alguém.
Algo próximo aos autoflagelos exigidos pelaOpus Dei fustiga os caudatários com veemência, sem perdão. A dor infligida pelas ardilosas investidas ideológicas absorvidas tão rapidamente quanto propagadas é imposta junto com anestésico, o famoso pretexto do bem comum, vontade da maioria.
Seria o mesmo que aplicar Benzetacil com Diclofenaco; a diferença básica e primordial é que, diferentemente da fusão dos fármacos, a subserviência inconteste traveste-se de lobotomia eficaz aos intentos dos boiadeiros. Quando o rebanho acordar, se acordar, a tortura será maior, muito maior, porém com gritos e urros sufocados pelas cordas vocais suprimidas no acordo bilateral entre sacrificado e algoz, legalmente formalizado.
Paralelamente, os dias seguem com os pensamentos fixados no transcendentalíssimo mistério: a morte. E o fim óbvio ganha papel de protagonismo em vez da exaltação e cuidados com a vida, às coisas já existentes e, principalmente, com as que estão por vir. Os rumos que podem mudar seguem inalterados por um receio ridículo do inevitável.
E o medo de deixar de existir não causa aos temerosos preocupação necessária voltada às unidades de carbono ainda em pé, expondo nossa defasada e ridícula lista de prioridades – sem itens rabiscados.
Feliz 2018!
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POR: VINICIUS CANOVA