Não me apraz a saudade que fica se lamentando, numa lamúria do que poderia ter sido
Há muitas formas de sentir saudades, bem como há vários tipos de saudades. Nem todas elas são boas ou nos fazem bem. Outras são imprescindíveis.
Tem aquela saudade que sentimos daquilo que não fizemos, daquele tempo em que tudo era possível, mas que hoje é só passado, só conjectura. Esse tipo de saudades nem faz jus a esse nome, pois mais parece nostalgia vestida de inútil arrependimento.
Tem a saudade que cria no nosso rosto a incrível mistura entre chorar e sorrir. Ela nos surge sempre que alguma música especial invade nossos ouvidos, sempre que algum aroma familiar roça, maroto, nossas narinas.
Assim, a saudade de verdade é um sentimento único, bem como é única essa palavra existente tão somente na língua portugesa, impossível de ser traduzida, na essência, para outros idiomas.
Não me apraz a saudade que fica se lamentando, numa lamúria do que poderia ter sido. Claro que, em determinados momentos também me pergunto como seria se minhas escolhas tivessem sido outras, mas não deixo que esse sentimento se aposse de mim. Primeiro porque não será capaz de mudar em nada o meu presente e segundo porque ocupar-me do passado torna mais escasso o meu presente.
A outra saudade, a boa, eu deixo que me invada de tempos em tempos, levando-me de volta a lugares que só remanescem nas minhas lembranças, bem como até pessoas queridas das quais só possuo fragmentos guardados em meu coração. Quem disse que não existe máquina do tempo? Cada um de nós possui o dom de viajar pelo tempo, mesmo pelo futuro que se possa imaginar...
Dia de Finados, comemorado no segundo dia do mês de novembro, por tradição religiosa, costuma ser um momento no qual as pessoas se dedicam a dirigir orações aos entes queridos que deixaram esse plano. Óbvio que não deixamos de pensar nessas pessoas nos demais dias do ano, sendo essa apenas uma data entre tantas, mas nesse dia costumo fazer uma espécie de censo, passando a limpo a relação das ausências que vão se acumulando no vazio.
Uma das ideias ue mais me vem à mente nesse dia é que não posso me esquecer dos vivos e da vida, essa linha invisível e frágil que nos une a esse mundo. Incapazes de saber quando ela se romperá, vivemos esquecidos, até por instinto de preservação, de que tudo vem sem aviso, sem tempo para despedidas.
Busco, assim, ficar atenta ao fato de que cada dia a mais é também um dia a menos. A vida é um livro com páginas contadas ao avesso, eis que o grande final, o desfecho, já nos é conhecido. Não há variações para o morrer, mas tão somente da forma e do tempo em que isso se dará.
Sei que pode parecer fúnebre demais essa ideia, mas não é esse o contexto. Estar ciente da morte só pode servir para dar valor à vida. É o princípio do que se completa, o ying e o yang. Sabermos que vamos perder nossos familiares, nossos amores e que eles, por sua vez, irão nos perder, nem que seja da vista dos olhos, deve ser servir para valorizarmos e priorizarmos os momentos que temos ao lado de quem amamos, bem como para relativizar o que não tem importância.
Se tudo é uma sucessão ininterrupta de gerações, temos que aceitar o fardo da finitude dos nossos dias, mas não a da pequenez de nossas vidas, que embora curtas, podem ser infinitas. Que a saudade nos ligue ao passado, mas que nos preencha de presente e de futuro.
CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada na Silva Nunes Advogados Associados, professora universitária, membro da Academia Linense de Letras e cronista. São Paulo. - cinthyanvs@gmail.com