ONU critica negacionismo do governo diante do "racismo estrutural" no país.

24 de novembro de 2020 83

A agência da ONU para Direitos Humanos critica o negacionismo do governo brasileiro diante da morte de João Alberto Silveira Freitas, ocorrida na semana passada numa loja do Carrefour, e cobra a liderança do país. Num recado claro à cúpula do governo, a entidade insiste que as autoridades precisam reconhecer o problema da discriminação como "primeiro passo" para lidar com a realidade.

A declaração foi do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, liderado pela ex-presidente do Chile, Michelle Bachelet. "Todos devem deplorar", disse a porta-voz da entidade, Ravina Shamdasani. "Precisa haver um reconhecimento do problema", insistiu. "Negar o problema é perpetua-lo", afirmou.

O posicionamento da ONU vem depois de comentários por parte da cúpula do governo brasileiro rejeitar a existência do racismo no país. "Para mim, no Brasil não existe racismo. Isso é uma coisa que querem importar aqui para o Brasil. Isso não existe aqui", afirmou Hamilton Mourão, vice-presidente.

Ao discursar na abertura da reunião de cúpula do G-20, Jair Bolsonaro gerou um constrangimento entre os demais líderes e mesmo dentro do Itamaraty, ao dizer que enxerga todos de "verde e amarelo". "O Brasil tem uma cultura diversa, única entre as nações. Somos um povo miscigenado", afirmou Bolsonaro. "Foi a essência desse povo que conquistou a simpatia do mundo. Contudo, há quem queira destruí-la, e colocar em seu lugar o conflito, o ressentimento, o ódio e a divisão entre raças, sempre mascarados de 'luta por igualdade' ou 'justiça social'. Tudo em busca de poder", disse.

Para o Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, a situação é outra e pede que investigações sejam realizadas. Mas a agência também pede explicações por parte do Carrefour.

Racismo institucionalizado e sistêmico.

Ainda na semana passada, o escritório da ONU no Brasil havia emitido um duro comunicado, classificando a morte como "um ato que evidencia as diversas dimensões do racismo e as desigualdades encontradas na estrutura social brasileira".

"A violenta morte de João, às vésperas da data em que se comemora o Dia da Consciência Negra no Brasil, é um ato que evidencia as diversas dimensões do racismo e as desigualdades encontradas na estrutura social brasileira", disse a ONU. "Milhões de negras e negros continuam a ser vítimas de racismo, discriminação racial e intolerância, incluindo as suas formas mais cruéis e violentas", afirmou.

A ONU Brasil ainda pedia que as autoridades brasileiras garantam "a plena e célere investigação do caso e clama por punição adequada dos responsáveis, por reparação integral a familiares da vítima e pela adoção de medidas que previnam que situações semelhantes se repitam".

Essa não é a primeira vez que a ONU denuncia a situação no país. Em informes publicados nos últimos anos, a entidade apontou para o racismo sistêmico, institucionalizado e estrutural no Brasil.