Os perspicazes cansaram de cantar a bola de que, alcançado o objetivo de recolocar a direita-ela-mesma no poder, em substituição a serviçais ditos de esquerda que nem sequer para gerenciar o capitalismo se mostraram competentes, a Operação Lava Jato seria esvaziada.
Como os leitores podem constatar no artigo do Celso Rocha de Barros aqui postado, é o que sucede neste momento.
Donde se conclui que, pela segunda vez seguida, uma eleição presidencial brasileira foi marcada por um grotesco estelionato eleitoral:
— Dilma Rousseff prometeu que não deixaria serem implantadas as reformas neoliberais exigidas pelo grande capital e a primeira coisa que fez, após a posse, foi nomear o neoliberal Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda, concedendo-lhe carta branca para implantar as reformas neoliberais;
— Jair Bolsonaro prometeu dar força total ao combate à corrupção (com a qual, no mínimo, compactuara durante toda sua trajetória política), mas é conivente com a desmoralização de Sergio Moro e o esvaziamento da Lava Jato, embora os continue apoiando para efeito externo.
No segundo caso, permito-me considerar apenas para efeito retórico a pergunta do Rocha de Barros:
"Vou morrer sem entender por que, em algum momento, o Brasil achou que Jair Bolsonaro estava preocupado em combater a corrupção".
É óbvio que o meu xará entendeu, sim, o porquê. A corrupção chegou ao Brasil a bordo das caravelas portuguesas, já dura mais de meio milênio e, nas últimas sete décadas, tem sido amplamente utilizada pela direita para derrubar governos que não são do seu agrado. Incrivelmente, nosso povo sempre tem engolido o isca, o anzol e até mesmo a linhada...
Nem Getúlio Vargas, com todo o seu carisma populista, conseguiu evitar que as denúncias udenistas do mar de lama o tragassem. O máximo que pôde fazer foi, por meio do suicídio e da sua famosa carta, evitar que os conspiradores colhessem o prêmio de sua infâmia.
A vassourinha do Jânio Quadros não varreu a bandalheira, desviando-se para alvos mais fáceis como o monoquíni e as brigas de galo.
Os golpistas de 1964 tinham como grande trunfo propagandístico, além do anticomunismo, a ameaça de adotarem linha dura contra os corruptos (daí aquela quartelada ter sido apelidada, durante algum tempo, de Redentora...). Os otários de classe média que se deixaram iludir, foram doar ouro para o bem do Brasil..
Igualzinho ao Bolsonaro, o caçador de marajás Fernando Collor estava cercado de marajás por todos os lados e com eles convivia em perfeita comunhão de interesses, mas esta ficha só caiu para o povo depois que havia jogado seu voto no lixo
Caberia eu encerrar o post vituperando o povo brasileiro por cair várias vezes no mesmo conto do vigário. Mas, dou um desconto por se tratar, na maioria, de gente simples, que acredita piamente nas manipulações da indústria cultural (e, agora, na propaganda enganosa com que a direita infesta o WhatsApp).
Mas, é indesculpável que ditos progressistas vira e mexe derrapem também, embora devessem estar carecas de saber que o combate à corrupção é uma bandeira da direita, conforme Paulo Francis cansava de repetir, alfinetando contingentes de esquerda que, contrários a Vargas, botaram azeitonas na empada udenista de 1954.
Eu bati muito na mesma tecla em 2008, quando parte considerável da esquerda tomou partido numa disputa de gangstêres do capitalismo por um florescente segmento do mercado de telecomunicações, favorecendo uma quadrilha em detrimento da outra apenas porque um banqueiro menor estava sendo preso e depois libertado pelo Gilmar Mendes. Mas, como nos westerns italianos, não havia herói nenhum naquele imbroglio todo, só bandidos dos dois lados.
Precisaríamos ter coragem de mostrar ao povo que o combate à corrupção sob o capitalismo não passa de um interminável enxugar gelo. Depois da temporada de espetaculosa caça às bruxa, pouco a pouco os sabás vão voltando na surdina.
Num sistema que coloca o enriquecimento pessoal como prioridade máxima da existência humana, sempre haverá quem tenha esperteza e coragem suficientes para tentar alcançar tal objetivo à margem da lei.
E, por piores que sejam os castigos para os infratores, isto jamais vai dissuadir todos os indivíduos, pois muitos deles acreditarão ser capazes de cometer o crime perfeito e escapar impunes.
Então, nisto discordo do Rocha de Barros e de todos que querem preservar algum legado da Lava Jato.
Os verdadeiros legados são um país em frangalhos e o abominável governo que está aí, e este só merece ser preservado na memória circense, categoria espetáculos de aberrações. (por Celso Lungaretti)