A deputada Érica Kokay já pediu a abertura de CPI na Câmara para apurar as ilegalidades denunciadas |
Muitos encararão este meu posicionamento como inocente ou pueril; afinal, apelar às instituições burguesas é acreditar na eficiência e neutralidade delas.
Contudo, vou falar mesmo assim sobre o perigo que poderá engolir o que resta de credibilidade da Justiça deste país, caso nada seja feito. Se este alerta não surtir efeito, ficará ao menos como registro histórico.
No meu último artigo enfoquei a indústria de manipulação comportamental via fake newsque estaria sustentando a candidatura de Bolsonaro. Nascida a partir da Cambridge Analytica, esta indústria chegou ao Brasil e vai fazendo escola.
Nesta 5ª feira (18), uma reportagem-bomba da Folha de S. Paulo provocou alvoroço nos meios políticos, ao revelar algo já pressentido, mas que ainda não havia sido provado: há dinheiro maciço por trás destas operações.
![]() |
A omissão da Justiça o tem beneficiado até agora. Desta vez, contudo, a parada é bem mais alta |
Digo ser tal fato já pressentido há bom tempo porque é preciso ser muito cândido para não perceber uma operação profissional por detrás da campanha de desinformação levada a cabo pela candidatura do presidenciável neofascista.
Não fosse grave o suficiente a maciça campanha de falsificação e manipulação comportamental, existe ainda um fato claramente ilegal. O financiamento privado de campanha está proibido no Brasil e o que a reportagem da Folha revela é um pesado financiamento de empresas para distribuir informações falsas a milhões de pessoas. Tais financiamentos sequer estariam sendo contabilizados pela campanha de Bolsonaro.
Mais ainda, tais informações chegariam aos destinatários mediante fraudes digitais, pois sigilos de números telefônicos, dados pessoais e outras informações de indivíduos estariam sendo apropriadas por empresas de marketing digital de forma ilegal. Um esquema similar ao da Cambridge Analytica, configurando crimes cibernéticos graves.
Por certo, muito mais deverá ser revelado no futuro e uma investigação séria é necessária. No entanto, desde já, configura-se a existência de crimes cibernéticos e eleitorais graves, com destaque ao caixa 2 e à quebra do sigilo de informações pessoais.
![]() |
Versão 2018: "Uma mentira repetida mil vezes no WhatsApp torna-se verdade" |
A grande questão agora é: o que fará a Justiça, sobretudo a Justiça Eleitoral? Vai agir ou ficará acovardada? Mostrará a mesma independência e celeridade que adotou com o ex-presidente Lula ou vai colocar panos quentes no problema?
No começo do ano, o ministro Luiz Fux, então presidindo o Tribunal Superior Eleitoral, disse que eleições distorcidas por fake news poderiam ser anuladas. E agora? Cumprirá o ministro a promessa?
A situação torna-se muito mais complexa diante do potencial autoritário de uma presidência Bolsonaro e dos sinais ambíguos emitidos pela justiça nos últimos anos. A atuação desastrosa do ministro-bombeiro Gilmar Mendes, as vistas grossas do TSE à corrupção da chapa Dilma-Temer, o vai e vem de liminares e contra-liminares sobre a Lei da Ficha Limpa e as disputas internas no STF enfraqueceram a imagem da justiça perante a sociedade.
Um presidente autoritário poderá concluir que este momento de desgaste abre uma brecha para se colocar de joelhos a justiça brasileira, contando com a anuência de um Congresso tomado por neofascistas e por forças políticas desacreditadas.
![]() |
Campanha de Haddad parecia moribunda, mas ganha novo alento com o flagra em Bolsonaro |
Caso a justiça não responda agora, de modo firme, às ilegalidades bolsonaristas, será transmitida uma mensagem clara ao até agora candidato, de que ele pode agir ao arrepio da lei e tudo estará perfeitamente correto. Será um convite para Bolsonaro assumir a presidência acreditando estar acima da legalidade e imaginando-se com carta branca para cometer todo tipo de ilicitudes. Ele e seus apoiadores fanáticos, acrescente-se.
Infelizmente, o quadro desenhado neste crepúsculo do sistema político da Nova República é a ascensão de políticos sem compromisso com o regime democrático. O Congresso está abarrotado deles. Nos principais estados foram ou serão eleitos governadores oportunistas e sem apreço pela democracia. Alguns claramente criminosos.
A justiça, que ocupou papel tenentista nos últimos anos, poderá sucumbir junto com os demais poderes da República, levando de roldão a garantia do respeito das autoridades públicas à legalidade constitucional. Corremos o risco de acordar qualquer dia num regime semelhante ao turco: com aparência democrática e essência ditatorial.
Por isso, ou a justiça responde agora aos crimes de Bolsonaro ou o criminoso futuramente a substituirá. (por David Emanuel de Souza Coelho)