PAREDES DA ALMA

6 de novembro de 2017 917

Se eu morrer, sobrevive a mim com tamanha força/ que acordarás as fúrias do pálido e do frio,/ de sul a sul, ergue teus olhos indeléveis,/ de sol a sol sonha através de tua boca cantante./ Não quero que tua risada ou teus passos hesitem./ Não quero que minha herança de alegria morra./ Não me chames. Estou ausente./ Vive em minha ausência como em uma casa./ A ausência é uma casa tão rápida/ que dentro passarás pelas paredes/ e pendurarás quadros no ar./ A ausência é uma casa tão transparente/ que eu, morto, te verei, vivendo,/ e se sofreres, meu amor, eu morrerei novamente.” (Pablo Neruda).

Curiosidade de todo vivente, sobretudo poetas em espírito, a morte enquanto temática, pulga atrás da orelha, sopro na nuca, enfim, a morte! a vida toda me foi estandarte.

E embora seja ofício humano querer não admiti-lo, nem por isso ela, a morte, deixa de balouçar na outra ponta dessa corda bamba que é a vida.

Ademais, de poeta ou não, à medida que a idade avança, toda carne mostra-se fraca, não obstante qualquer subjetiva predominância do sentir ou pensar. Então, há que se eliminar todo peso extra da mala, não pelo que nela se leva, pois, penso – nada se leva. Mas, isto sim, pelo tanto que se possa deixar a quem se ame.

Urge livrar-se do excesso das companhias com cujas atitudes soberbas não nos identifiquemos.

Urge deixar de bancar o imortal.

Mil vezes mais propício invocar Álvaro de Campos: “definitivamente arrumar a mala./ Arre, hei de arrumá-la e fechá-la;/ Hei de vê-la levar de aqui,/ Hei de existir independentemente dela.”, mesmo hesitando uns versos atrás: “Volta amanhã, realidade!/ Basta por hoje, gentes!/ ?Adia-te, presente absoluto!/ ?Mais vale não ser que ser assim.”.

Urge joeirar paredes e estantes; desidolatrar pesados diplomas e troféus.

Arre!

Não careço de sede onde escorar o ego imenso. Sequer de casa inteira.

Bastam simples paredes sem janelas. Assim não entram moscas da tentação da arrogância ou da preguiça voluptuosa.

Simples paredes sem placa que anuncie mentira extravagante.

Simples paredes de alma a fim de estear honesto trabalho.

Simples paredes na alma onde pendurar o cansaço da lida vera e uma redinha em que deitar meus morrediços versos e prosas.

 

 

 

Valquíria Gesqui Malagoli, escritora e poetisa, vmalagoli@uol.com.br / www.valquiriamalagoli.com.br