Pegos no flagra? Presenciar cena de sexo dos pais pode traumatizar crianças
Compartilhado nas redes sociais como motivo de piada, um vídeo registra o momento em que uma criança, acompanhada de um gato e um cachorro, entra em um quarto em que dois adultos fazem sexo. Embora surpreso e parecendo, inicialmente, ter a intenção de esconder seus corpos, o casal não interrompe o ato e a penetração é mantida enquanto a mulher conversa com o menino, que, posteriormente, chega a subir na cama.
Circulando, por exemplo, em grupos de mães no WhatsApp, as imagens, por vezes, apareciam acompanhadas de pitadas de humor, normalmente sublinhando que, com filhos pequenos em casa, os pais teriam grande dificuldade para conseguir transar. Mas houve também quem demonstrasse preocupação: afinal, aquela cena poderia gerar traumas para a criança? E aqueles adultos não poderiam responder criminalmente por manter o ato, mesmo depois do embaraço de serem flagrados pelo menino? Como, então, eles deveriam ter agido?
O registrou causou incômodo à psiquiatra da infância e adolescência Luciana Nogueira Carvalho. A impressão que fica, diz, é a de que, para o casal, “o prazer não podia parar”. Ela ainda critica o fato de o filme curiosamente ter caído na rede e ainda estar circulando. “Criar filhos nem sempre é uma tarefa fácil, e muitos pais não possuem preparo algum para educar uma criança”, avalia, expondo que, na rotina clínica, além de receber casos de transtornos específicos, frequentemente profissionais da saúde mental têm a missão de “interpelar pais que têm postura inadequada, agressiva ou preconceituosa”.
“Os traumas decorrentes das experiências consequentes da visualização nas cenas de sexo dos adultos variam de acordo com a idade e com a maneira como a exibição ocorreu. Os efeitos só podem ser analisados caso a caso, individualmente”, informa Luciana, detalhando que algumas se tornam mais agressivas ou medrosas após um episódio de flagrante sexual. Também é comum que os filhos pensem que o pai está machucando a mãe.
A psiquiatra sublinha que, idealmente, os pais devem criar o hábito de trancar a porta do quarto ou, pelo menos, deixá-la fechada e ensinar as crianças a bater antes de entrar. “Ter uma babá eletrônica e acompanhar o movimento dos filhos quando acordarem também pode ser uma boa estratégia”, sugere. “A privacidade do casal deve sempre ser buscada, mas, caso o filho surpreenda os pais sem roupas e no meio de uma relação, é preciso manter a calma e explicar que é assim que os adultos namoram”, indica a especialista, que acrescenta: “Sexo faz parte da vida, mas as crianças precisam escutar dos seus tutores que tudo tem seu tempo e que mesmo o namoro também acontece de diferentes maneiras, de acordo com cada idade”.
O que diz a lei
Do ponto de vista criminal, a advogada Camila Félix, que é professora de direito penal na Escola Superior de Advocacia, pondera que é necessário verificar se houve dolo – isto é, se, mais que um incidente, o episódio ocorreu visando satisfazer os adultos envolvidos. “O artigo 218 A, do Código Penal Brasileiro, determina que, se for configurado que a prática de ato libidinoso ou conjunção carnal na presença de um menor de 14 anos ocorreu para a satisfação da própria lascívia ou para a lascívia do outro, os envolvidos podem ser punidos a ter que cumprir de dois a quatro anos de prisão”, explica.
“É preciso avaliar cada caso. Mas, de maneira geral, é necessário para que se configure crime a vontade de agir. Então, se estamos falando, por exemplo, de uma família que não tem condições financeiras e faz sexo enquanto os filhos dormem, mas que não tem como resguardar a privacidade completamente (como em casas que não possuem portas ou em que não há separação entre quartos), não há o dolo”, expõe o professor de direito penal Sandro Caledeira. Ele detalha que, se de alguma maneira o menor participar da relação sexual, o episódio passa a configurar estupro de vulnerável, conforme artigo 217 A, também do Código Penal. A pena, neste caso, é de oito a 15 anos de reclusão.
Contudo, Camila lembra que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), nos artigos 15 e 17, por exemplo, expõe que compete aos que tutelam a criança a obrigação de garantir a dignidade e a integridade física e moral. Neste caso, se houver evidências de que a situação tenha causado danos, os pais ou responsáveis legais podem até mesmo perder a guarda da criança.