Por uma quarentena pós-mandato
Em um país com 200 milhões de habitantes, a ausência de renovação na política é mais do que sintomática: é perniciosa, patogênica. Nada justifica que se mantenha um sistema político que é notoriamente insustentável e que, pior que isso, transfere para a sociedade o ônus de sua insustentabilidade. Destarte, urge que se construa um modelo político efetivamente novo – não se trata de reconstruir o atual, mas de construir um novo –, que permita a todo cidadão participar da vida política. E isso implica, necessariamente, instá-lo e capacitá-lo a tal.
Faz tempo que a política no país se restringiu às pessoas com maior capacidade de expressão verbal e incorporação em seu discurso de frases de efeito. Esse ilusionismo comunicacional conquistou tal espaço na vida pública nacional que se tornou comum na linguagem popular tomar-se o vocábulo “político” como sinônimo de “esperto”, “ladino” e até mesmo de “diplomático”, mas em um contexto no qual a desfaçatez passou a se confundir com diplomacia.
O debate político se empobreceu. Em que pese Sócrates, em sua Política, haver afirmado que a vida pessoal de um cidadão deve ser considerada na hora de se escolher um príncipe, nada justifica que no debate comum – qual seja aquele sem finalidade diretamente eleitoral, mas o que se trava nas esquinas e nas redes sociais – a crítica ad homine predomine, com ataques centrados na pessoa que produz ou reproduz um discurso, em vez de se examinarem objetivamente as ideias que estão representadas nas palavras expressas.
Assim, é necessário considerar que, quando se propõe a renovação na representação política, objetiva-se menos a retirada dos que a detêm do que a inserção de novos cidadãos nos quadros de tomada de decisão sobre a vida nacional. Instituir a observância de uma quarentena para que o indivíduo, após o cumprimento integral de um mandato, novamente se apresente como candidato é algo merecedor de uma análise equilibrada e bem fundamentada, mas acima de tudo isenta.
Para que tal análise se desenvolva livre de premissas falaciosas, é preciso inicialmente reconhecer-se como um axioma a afirmação de que a suposta ou pretensa certeza de que se tenha realizado ou se esteja realizando um trabalho bom não elide a admissibilidade de que outrem possa realizar um trabalho melhor, nem tampouco a possibilidade de que, abrindo-se o campo da representação política a uma maior participação do cidadão comum, sinta-se ele instado a adentrar tal campo e, a partir daí, busque os meios de melhor apresentar suas ideias e até mesmo melhor formulá-las.
Ninguém negue que a desmotivação em grande parte deriva da elitização da representação política, seja a elitização socioeconômica, para a qual concorrem os custos da batalha eleitoral e o poder de veto da burocracia partidária, seja a elitização ideológica, ainda mais perniciosa, quando inverte valores e transforma a simples anseios eminentemente minoritários em prioridades nacionais. E dá à mera percepção dos problemas que acompanham esses anseios caráter de capacidade política de solucioná-los da forma que seja melhor para toda a sociedade.
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EDSON LUSTOSA
Edson Lustosa é jornalista há 30 anos e coordena o projeto Imprensa Cidadã, do Centro de Estudos e Pesquisas de Direito e Justiça. Escreve às segundas, quartas e sextas-feiras especialmente para o Que Notícias?.