Spread e concorrência bancária (II)

Na coluna da semana passada (16 de abril) tratei do tema da concorrência bancária no Brasil e da margem de lucro do sistema, o spread – a diferença entre o que os bancos pagam para captar recursos e o que cobram de seus clientes nas diversas modalidades de crédito. Por qualquer forma de análise, é fácil perceber que a concorrência é pequena e, não por acaso, a margem é elevada. Nas comparações internacionais fica claro o quanto a situação dos grandes bancos brasileiros é cômoda no que se refere ao grau de oligopólio; o mercado é dominado por cinco grandes instituições, duas públicas, Banco do Brasil e Caixa Federal, e três privadas, Itau-Unibanco, Bradesco e Santander, este o mais novo participante. Entrou no Brasil nos anos 1990, quando houve um rearranjo do sistema por conta da estabilização.
Até aquele momento, a inflação alta encobria a ineficiência e a má administração de várias instituições, algumas até de grande porte, como o Banco Nacional e o Bamerindus. Elas não resistiram à verdade revelada pela inflação baixa e foram encerradas em processos dolorosos conduzidos pelo Banco Central (BC), até mesmo com risco de contaminar o sistema. Foram necessários programas como o Proer para evitar problemas maiores, naturalmente com o financiamento de sempre, do Estado, já sob comando de FHC. O novo ambiente de inflação controlada e reposição do poder de compra ajudou a reorganizar o sistema, chegando mesmo a encorajar novos entrantes, como o BBVA e o Santander. O primeiro durou pouco e o segundo logo passou a fazer parte ativa do oligopólio brasileiro, inclusive absorvendo concorrentes para ganhar musculatura. Não cumpriu o papel que alguns entusiastas do momento – passagem dos anos 1990 para os 2000 – julgavam natural, qual seja, a atração de capital estrangeiro aumentaria a competição e reduziria os juros aos tomadores de crédito. Bem ao contrário, o Santander passou a trabalhar com os mesmos parâmetros dos outros grandes bancos, nada de agredir a “concorrência”.
O tema da concorrência bancária no Brasil voltou ao debate no ano passado, quando a taxa de juros básica caiu muito, ao patamar mais baixo da história, mas os spreads, além de muito altos, pouco diminuíram. O Banco Central, desta vez, parece mais genuinamente interessado no tema do que em situações anteriores. Tem forçado e/ou induzido mudanças no sistema de crédito, do que são exemplos as alterações no cartão de crédito e no cheque especial, duas das linhas em que os juros são vergonhosamente elevados, fazendo com que famílias pouco instruídas e/ou pouco responsáveis entrem em redemoinhos impossíveis de se safar. Produzir inadimplentes sem capacidade de retorno ao sistema de crédito não deveria interessar a ninguém, nem ao comércio, nem à indústria, e muito menos ao próprio sistema financeiro. Afinal, por que matar a galinha dos ovos de ouro?
Um dos novos pontos de interesse do BC é o cadastro positivo, proposta que tramitou por muitos anos no Congresso e, uma vez aprovada, não emplacou. Ao contrário dos conhecidos cadastros negativos, de inadimplentes, o positivo é um cadastro de bons pagadores, clientes usuais do sistema de crédito e que cumprem regularmente com suas obrigações. Seu histórico representa um “auto aval” para novas operações e, naturalmente, com juros baixos, dado o baixo risco de não pagamento, mesmo em linhas de crédito que não requerem garantias reais, como carros ou imóveis. Por que não tem funcionado? Porque a legislação exige que o consumidor se “inscreva” no cadastro positivo, ao invés de uma inscrição automática e universal. A inércia dos consumidores não os leva à “inscrição”. A mudança que o BC está propondo é justamente esta, a da inscrição universal a priori, de todos os consumidores. Quem não tiver bom histórico no sistema logo sairá do cadastro, restando os tradicionais bons pagadores, para quem, o crédito será oferecido com taxas de juros menores. A conferir. Afinal, risco menor implica taxas menores, tal como no caso do crédito consignado, uma excelente iniciativa já bem consolidada.
A experiência internacional mostra bons resultados e o momento é propício no Brasil, exatamente porque proliferam novas pequenas empresas financeiras que oferecem crédito em plataformas digitais (fintechs), sem agências físicas que aumentam os custos. Se estas empresas tiverem acesso irrestrito às informações de um amplo cadastro positivo, elas podem começar a cumprir um bom papel de ameaça à posição cômoda dos grandes bancos. O tempo vai dizer se isto é verdade. Mas o BC deve ser o fiscalizador deste novo ambiente competitivo, não cedendo a qualquer tipo de chantagem ou indução para manutenção do oligopólio.
Como as ações governamentais geralmente não caminham em linha reta, ao contrário, movem-se com padrões que às vezes lembram um zigue-zague, tivemos em março a aprovação pelo CADE da compra pelo Itau-Unibanco de uma empresa que se destacou rapidamente, vindo de baixo, no mercado de aplicação de recursos, a XP Investimentos. Tal operação ainda deve passar pela análise do BC, mas a concordância do CADE não é um bom sinal e joga no sentido contrário ao da quebra do oligopólio bancário. Se os novos concorrentes, com baixo custo, agilidade e intensivos em tecnologia, não conseguirem ameaçar a posição dos grandes bancos, diminui a probabilidade de alterarmos o jogo de forças historicamente contrário aos interesses da maioria da população.
(*) Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)