Tigrinho engole políticos, juízes e celebridades

4 de julho de 2025 36

ACPI das Bets prometia no ano passado abalar a jogatina online, que movimenta bilhões e bilhões de reais por mês. Os trabalhos começaram em ritmo industrial no Congresso. Já na segunda reu­nião, em 19 de novembro de 2024, os senadores convocaram 57 pessoas para depor e convidaram mais de 70 para prestar esclarecimentos. Também apro­varam 37 pedidos de Relatórios de In­teligência Financeira (RIFs) – que reúnem transações bancárias sus­peitas de uma pessoa ou uma empresa.

Na terceira reunião da CPI, outra leva de pedidos: 24 convites, 1 RIF e 1 convo­cação, a do cantor sertanejo Gusttavo Lima, que foi alvo de um pedido de prisão, depois revogado. Na quarta sessão, o fôlego aumentou: 17 RIFs, 6 convites, 3 convocações. Mas alguma coisa co­meçou a mudar. Os pedidos, que an­tes eram imediatamente ratificados, começaram a não ser sequer aprecia­dos. Na quinta sessão, houve 99 pedidos de RIFs e nenhum foi analisado.

No dia 12 de junho passado, depois de sete meses de existência, a CPI colo­cou em votação o seu relatório final. O documento foi rejeitado pelo Senado.

A relatora So­raya Thronicke (Podemos-MS) apresen­tava dezenove projetos de lei para con­ter os danos provocados pelas apostas virtuais e pedia o indiciamento de dezesseis pessoas, inclusive Fernando Oliveira Lima, da One Internet Group (OIG), conhecido como Fernandin OIG, por sus­peita de lavagem de dinheiro e associação criminosa. Outras pessoas citadas são figuras conhecidas do mundo digital, como as influenciadoras Virginia Fonseca e Deolane Bezerra.

Encerrada sem relatório final, a CPI nada fez de concreto, mas deixou entrever uma aliança poderosa dos donos da jogatina online com certos políticos, juí­zes, artistas e bicheiros. Por receio das ameaças que vinha recebendo, Thronicke não incluiu os dados oficiais dos RIFs no re­latório final, mas a piauí teve acesso ao seu conteúdo. Nos documentos, há uma coleção de informações que sugerem relações suspeitas, informam Alessandra Medina e João Batista Jr. na edição deste mês da revista.

O RIF de Fernandin, por exemplo, mostra que seu patrimônio passou de 36 milhões de reais em 2022 para 143 milhões de reais 2023 – um crescimento de 300%. Os autores do relatório financeiro não encontraram uma explicação plausível para a expansão da fortuna. Uma operação chamou a atenção: envolvia transações imobiliárias com uma incorporadora de Teresina que tem entre os sócios a empresa Ciro No­gueira Agropecuária e Imóveis, que pertence ao senador do Progressistas. Documentos mostram também que, entre 2023 e 2024, uma das empresas de Fernandin despachou oito cheques, num total de 1,8 milhão de reais, em favor de uma empresa da qual Gusttavo Lima é sócio.  

Os RIFs de Gusttavo Lima, por sua vez, mostram que ele é dono da Balada Eventos e Produções, que, numa única transação, transferiu 8 milhões de reais à Supermercados BH Comércio de Alimentos, que tem entre os sócios Waldir Rocha Pena, suspeito de integrar uma organização criminosa envolvida em corrupção, emissão de notas fiscais frias, fraudes e lavagem de dinheiro no Ministério da Agricultura.

Durante o seu depoimento na CPI, Fernandin foi indagado sobre sua amizade com o ministro Kassio Nunes Marques, do STF. Ele disse que o ministro é seu amigo de longa data. “De mais de dez anos atrás, de lá do Piauí, de panelada, de comer buchada de bode e galinha caipira.” Fernandin também confirmou na CPI ter dado carona a Nunes Marques até a ilha de Mykonos, na Grécia, para a festa de aniversário de Gusttavo Lima.

As bets neutra­lizaram a CPI do Senado com facilidade. “As bets têm influência econômica na sociedade e no Parlamento. Na verdade, elas têm lobby em todos os poderes”, diz Alessandro Vieira, o vice-presidente da CPI. No Congresso, a bancada do Tigrinho já começa a rivalizar em poder e influência com outros gru­pos de interesse, como as chamadas ban­cadas da bala, do boi e da Bíblia.

 

Fonte: Alessandra Medina e João Batista Jr.