Trump-show: roteiro romântico, comédia na prática
As tarifas extras de importação impostas por Donald Trump (foto) foram anunciadas em 2 de abril e passaram a valer no dia 9. Em sete dias, os mercados globais derreteram com ajustes de posições acionárias e muitos investidores, principalmente os menos experientes, entraram em desespero. Somente nos EUA, a desvalorização das empresas superou 40 trilhões de reais. A China contra-atacou, anunciando que também taxará as importações vindas dos EUA em 84%.
Mas vamos desmistificar o plano de Trump, para que você consiga formar uma opinião sem fanatismo político
O Plano é bonito no papel. Mas e na prática?
Hoje os Estados Unidos possuem uma dívida pública de 36 trilhões de dólares. Para você ter uma referência, esse valor é 15 vezes maior que o PIB do Brasil. E essa dívida cresce mais de 2 trilhões de dólares por ano por conta dos juros.
Mesmo com a criação do Departamento de Eficiência Governamental (DOGE, na sigla em inglês) comandado por Elon Musk, que supostamente economizaria 1 trilhão de dólares por ano, a dívida não vai parar de crescer.
Com isso, Trump teve uma “brilhante” ideia: aumentar a arrecadação via impostos. E, aos poucos, ir reduzindo a dívida. Agora vem o pulo do gato.
Faz parte do meu show
Uma tributação extra e pesada nunca é bem recebida. Mas e se fosse apenas sobre os produtos importados, principalmente dos países onde grandes empresas norte-americanas possuem fábricas e sobre países “rivais” como China?
Soa melhor, né? E ainda tem um apelo extra, no mínimo romântico. Ao criar impostos pesados de importação, Trump estaria “estimulando” as empresas norte-americanas que possuem fábricas espalhadas pelo mundo, principalmente na Ásia (por conta do baixo custo de mão-de-obra), a retornarem para os EUA, gerando empregos no país e recuperando o slogan “Made in USA”. Mágico, não?
Mas, mesmo que isso fosse viável, quanto tempo seria necessário para construir fábricas, contratar e treinar pessoal, organizar logística e começar a produção? Some as incertezas de impostos sobre a matéria-prima que muitas vezes vem da Ásia. Pelo menos dois anos. E até lá?
O plano é bonito, mas é absurdamente impraticável. Não é à toa que, para muitos agentes do mercado, ficou evidente que não passaria de um teatro de pressão política. A única dúvida era quanto tempo iria durar.
Puxando os fios das marionetes
No alucinante dia 9, quando as tarifas de Trump começaram a valer, o petróleo caía mais de 4%, negociado na mínima desde 2021. Os índices da Ásia afundavam e os futuros da Europa acompanhavam em quedas superiores a 3%.
Eis que, logo após o almoço, mais precisamente às 13:18 de Nova York, a equipe de Trump anunciou a paralisação de todas as tarifas extras por 90 dias, exceto para os países que retaliaram, diga-se, China.
Não demorou mais do que alguns minutos para a notícia correr pelos corredores das mesas de operações e praticamente tudo vivo e líquido nos mercados começou a se valorizar.
O petróleo reverteu a queda de 4% para alta de 5%. Ações que caíam 10% já eram negociadas no terreno positivo. O dólar, que superou os 6,11 reais, desmoronou para 5,83 reais em queda livre.
Diante da euforia nos mercados, mesmo dos que ainda não estavam entendendo a razão, Trump fez novo anúncio aumentando a pressão contra a China e ampliando sua tarifação para 125%. Passou batido no meio da gritaria dos compradores.
Direto da Mesa de Operações
Não vou mentir que eu e muitos dos meus maiores clientes ativos em Bolsa ganhamos muito dinheiro nessa reviravolta com a paralisação das tarifas extras por 90 dias.
Mas isso não torna o ocorrido algo positivo e digno de comemorações. Um gigantesco teatro foi criado, gerando uma desvalorização mundial por quatro dias seguidos para, “na hora do vamos ver”, Trump cancelar o plano?
Ecoou pelos corredores um sarcástico “é pegadinha do malandro”, proferido por um operador sênior com a voz rouca.
Fato é que a credibilidade dos EUA foi abalada para muitos investidores. Quais novas surpresas poderiam vir, a qualquer momento, direto da Casa Branca?
Outro ponto de alerta é que os europeus se sentiram traídos por um aliado antigo, desde antes da Segunda Guerra Mundial. Como será a relação daqui para frente?
Outros parceiros comerciais importantes e estratégicos, como Japão e Taiwan, que já dormiam na hora do anúncio, ainda estão confusos se foi um pesadelo de mau gosto.
Ainda teremos volatilidade pela frente, não tenha dúvidas. O show não acabou. Para os mais novatos no mercado acionário, gosto de lembrar que isso é volatilidade: dias em que parece que o mundo vai acabar, seguidos por dias em que parece que tudo virou Suíça.
Nesse Trump-show, com direito a montanha-russa e trem-fantasma cheio de surpresas, com algumas pessoas desesperadas achando que teremos recessão mundial e outras empolgadas achando que tudo está barato, existem apenas duas certezas: barato é o marido da barata e o amanhã começa à meia-noite.
Pedro Kazan é profissional do mercado financeiro desde 1999, empreendedor e palestrante, formado em Engenharia de Produção com ênfase em Engenharia Econômica pela UFRJ. De 2002 a 2004, fez parte do Controle Operacional da Mesa Proprietária do Banco BBM, de onde saíram os fundadores das mais renomadas Assets do Brasil, como SPX, Kapitalo e Navi. Desde 2004 dedica-se à Gestão de Recursos e Assessoria de Investimentos Private. Fundador do canal de educação financeira KZN Investimentos. Nascido no Rio de Janeiro. Vivendo em Lisboa.