Turistas salvam elétricos do Grande Porto

"Foi uma experiência muito agradável. Não estava à espera! Parece que recuei no tempo uns 100 anos!", afirma Jorge Dominguez, um madrileno que, com a mulher e os três filhos, desce do elétrico na Batalha. Este "é um transporte lucrativo", diz a Sociedade de Transportes Coletivos do Porto (STCP) que ainda gere a atual rede, composta por três linhas e que dá o exemplo dos números alcançados em 2016. Houve "um aumento de clientes na ordem dos 36%", face ao ano anterior, com o transporte de 620 mil passageiros. No ano passado, apesar de ainda não serem conhecidos dados definitivos, esse número foi ultrapassado.
A procura é quase exclusivamente composta por turistas e o sucesso é de tal ordem que o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, e o homólogo de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, querem que a gestão dos elétricos deixe de pertencer à STCP e passe a ser feita pelas autarquias através de um novo operador intermunicipal, a criar no seio da Área Metropolitana do Porto (AMP).
Tal como o JN noticiou na última semana, as autarquias, após discutirem e votarem essa pretensão em reunião do Conselho Metropolitano do Porto, vão agora colocar ao Governo a proposta de transferência de gestão, embora tal não reúna o consenso e os autarcas começam a ser criticados por "lançarem os foguetes sem que a questão esteja amadurecida", como afirmou ao JN fonte ligada ao processo, que recusou ser identificada.
O objetivo dos autarcas é colocar o elétrico a fazer a ligação entre a Ribeira e o Cais de Gaia no verão do próximo ano, com a possibilidade de depois ser prolongado até à Afurada.
No seguimento desta ideia, também a Câmara de Matosinhos, liderada por Luísa Salgueiro, mostrou interesse em ter o elétrico a fazer a ligação do Porto até ao Porto de Leixões, onde se situa o Terminal de Cruzeiros. De referir que a pretensão da Autarquia neste projeto estruturante no âmbito do transporte turístico entre os dois concelhos remonta a 2016.
O elétrico deixou de circular em Matosinhos em 1993, mas a linha, com 800 metros, permaneceu ao longo da Avenida de Norton de Matos, entre a Praça da Cidade São Salvador (ou rotunda da Anémona, como é mais conhecida), e o início da Avenida da República. A vontade do município é fazer mais 200 metros de linha para que o elétrico chegue até ao Senhor do Padrão ou ao Terminal de Cruzeiros.
Recorde-se que Rui Moreira e Eduardo Vítor Rodrigues voltaram a reunir-se na passada quinta-feira, anunciando o projeto de uma nova travessia sobre o Douro a construir à cota baixa, com 250 metros e ligando Campanhã (Porto) e Oliveira do Douro (Gaia). O objetivo é libertar o tabuleiro inferior da Ponte Luís I para a circulação do elétrico.
Quanto aos custos, os autarcas garantem que serão as autarquias a financiar as obras. Estimam que a nova ponte custe cerca de 12 milhões de euros e esteja concluída no prazo de três a quatro anos. O projeto custará ainda à Câmara gaiense cerca de 600 mil euros devido à necessidade de colocação de carris.
Na realidade, são os turistas que utilizam em quase 100% os elétricos que circulam nas três linhas existentes: a linha 1 (faz o percurso da marginal do rio Douro, entre o Infante, perto da Ribeira, e o Passeio Alegre, na Foz do Douro, e foi a grande sobrevivente do sistema de elétricos do Porto); a linha 18 (faz a ligação desde Massarelos, perto do Museu do Carro Elétrico, até ao Carmo, perto da Praça dos Leões e da Reitoria da Universidade do Porto); e a linha 22 (faz a ligação entre o Carmo e a Batalha, com ligação à estação do Funicular dos Guindais, explorado pela Metro do Porto e perto da paragem Aliados, o que permite aceder à estação de metro Aliados, da linha Amarela).
A STCP dispõe ainda do serviço Porto Tram City Tour que envolve as três linhas mas destinado aos turistas. "Fantástico! A paisagem é linda. Na cidade onde moramos também existem carros elétricos, mas são mais modernos. Estamos muito impressionados", refere Bernardette que com o marido Daniel residem em Nantes, em França. Também os britânicos Tony e Christine gostaram da experiência.
"Já tínhamos preparado esta viagem. Sabíamos que este transporte existia no Porto e foi logo das opções a realizar durante a nossa estadia", diz Tony que concorda que a linha seja prolongada até Gaia, principalmente "às caves de vinho do Porto".
"Isto agora é só para eles. Ainda há pouco anos andavam muitos portugueses no elétrico, sobretudo os idosos. Agora é só estrangeiros", refere Ana Monteiro que faz limpezas na zona de Lordelo do Ouro e que ainda utiliza o elétrico para ir trabalhar.
Apesar dos "amarelinhos" serem, ainda hoje, um ex-líbris da cidade, a verdade é que os elétricos de Lisboa são sobretudo procurados pelos turistas e por alguma população mais envelhecida do Centro Histórico. Ao todo, restam cinco linhas, sendo a carreira 28 a mais famosa, e não só pelos melhores motivos.
A carreira 28 da Carris liga o Martim Moniz a Campo de Ourique. O percurso, que inclui a passagem pelas vielas de Alfama, Castelo e subida até à monumental Basílica da Estrela é assegurado por veículos do início do século XX, o que aguça ainda mais a procura dos turistas. Infelizmente, nos últimos anos, com o aumento da procura, cresceu também o número de carteiristas no seu interior. Os relatos de ataques a turistas nesta carreira são diários.
Ao todo, a rede percorre um total de 26 km de rede (48 km de linha dupla em bitola de 900 mm, sendo 13 km em faixa reservada). No auge da sua expansão, em finais da década de 1950, a rede tinha um total de 76 km.
Só os mais velhos se lembram dos elétricos "caixote" - devido ao seu perfil de linhas retas - populares na década de 50. Hoje em dia, persistem os modelos remodelados, mas já há também os articulados, símbolos da modernidade.
A história do carro elétrico no Porto remonta a 1872, ano em que foi inaugurada a primeira linha que ligava as zonas do Carmo e do Infante à Foz do Douro. Nesta altura, os veículos eram carros americanos, sendo as carruagens rebocadas por animais. No ano seguinte, a então Companhia Carril Americano do Porto prolongava o serviço até Matosinhos.
O carro elétrico propriamente dito só chegaria com a construção da central elétrica que a companhia construiu na Arrábida, sendo eletrificada a primeira linha, entre o Carmo e a Arrábida, a 12 de setembro de 1895. O Porto era a primeira cidade da Península Ibérica a ter um serviço de transportes eletrificado.
Nos anos seguintes, todas as linhas vão sendo eletrificadas e a 22 de setembro de 1904 a tração animal é abandonada. No ano seguinte, o elétrico chega a Gaia, através do tabuleiro superior da Ponte Luís I. O apogeu verifica-se em 1950 com 150 quilómetros de rede, 38 linhas, 193 carros e 24 reboques em circulação. Após a municipalização e com a empresa designada de Serviços de Transportes Coletivos do Porto (STCP) os autocarros entram em circulação em 1948 e ganham terreno. Em meados da década de 90, restava uma linha e grande parte da frota foi alienada.