Vício em sexo: transtorno se caracteriza pela busca desenfreada por prazer

5 de fevereiro de 2021 483

“Posso dizer confiantemente que o sexo é, certamente, supervalorizado em certos aspectos de toda a sociedade”, disse o artista plástico Brian Steinhoff, que, desde 2014, quando falou com a reportagem de O TEMPO, reflete sobre como elementos do erótico e sua iconologia estão presentes no cotidiano na série “Pornô para Toda a Família”. Embora pesquisas indiquem que as pessoas estejam transando com uma frequência cada vez menor, a observação dele é, em certa medida, uma constatação comum. Há até quem assegure sofrer com uma certa pressão para se mostrar “transante”. E na comunidade assexual, então, não são poucas as queixas de constrangimento simplesmente por essas pessoas não considerarem a atividade sexual algo tão atraente assim. 

Mas, afinal, em um contexto em que o sexo é tão estimulado e desejado, como saber se estamos apenas respondendo à essa ideia de que quantos mais encontros amorosos melhor ou se, na verdade, o prazer erótico cedeu lugar ao vício?

Para o psicólogo Erick Paixão, essa resposta será sempre subjetiva. “Uma pessoa pode ter uma frequência considerada alta (em relação à média geral) sem que isso cause qualquer tipo de prejuízo. O problema é quando o indivíduo começa a ter uma relação de dependência (com a prática sexual). Neste caso, o comportamento pode acarretar danos sociais, afetivos, financeiros, profissionais, psicológicos e até judiciais. E, mesmo assim, esse sujeito não conseguirá controlar o desejo libidinoso”, expõe. Além disso, essas pessoas tendem a ficar mais vulneráveis à contração de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). 

A compulsão sexual, chamada popularmente de “vício em sexo”, é definida por Paixão como um transtorno de comportamento em que a busca por prazer se torna excessiva e causa danos a si próprio e àqueles que estão próximos. O terapeuta sexual detalha que o distúrbio possui componentes biopsicossociais. Isto é, tanto traços genéticos como sociais contribuem para o seu desenvolvimento. “Tanto que o problema é mais comum entre os homens”, diz, pontuando que ajuda a explicar o fenômeno o fato de eles serem mais estimulados a adotarem comportamentos sexuais predatórios e mesmo pelo fato de se iniciarem sexualmente de maneira precoce – seja pelo consumo de material pornográfico ou pelo sexo propriamente dito. 

Em geral, a compulsão por sexo pode começar a ser percebida entre a adolescência e o início da fase adulta. “Muitas pessoas que chegam ao consultório buscando tratamento relatam também ter sofrido algum trauma sexual na infância”, detalha, advertindo que abusos ou o contato precoce com conteúdo adulto não é uma condição para o desenvolvimento do transtorno ou seja, nem todo aquele diagnosticado com o problema vai ter passado por situações sexualmente traumáticas quando crianças e nem todos que possuem histórico de violação vão apresentar esse quadro.

Contudo, apesar de os primeiros traços da disfunção serem percebidos cedo, os pacientes raramente buscam ajuda nessa fase. Isso porque, de um lado, há o constrangimento moral de buscar ajuda, e, de outro, o comportamento é muitas vezes visto socialmente como positivo. Além disso, sabe-se que, em geral, homens, mais afetados pelo transtorno, costumam evitar consultas médicas. 

Aspectos emocionais, neuroquímicos e comorbidades 

Questões emocionais não elaboradas são outro traço comum entre as pessoas que sofrem com o distúrbio. “Não é incomum que essas pessoas se percebam com a autoestima baixa, buscando, com comportamento, uma forma de terem mais afeto ou, fazendo um recorte de gênero, de se sentirem mais homens”, avalia o psicólogo Erick Paixão. 

Quanto aos aspectos neuroquímicos, indivíduos com o transtorno sofrem com falhas no sistema de recompensas cerebrais. “Se um adolescente tem déficit de serotonina (neurotransmissor que regula, entre outras coisas, o humor) e a família estimula que se iniciem sexualmente, de forma prematura, e o sexo estabiliza os níveis da substância, o cérebro pode entender que sempre vai precisar disso para alcançar o bem-estar. O mecanismo acionado é quase o mesmo por trás de outros comportamentos de vício”, informa. 

Outra semelhança com outras compulsões, a tolerância do dependente vai se tornando cada vez mais alta e, por isso, para alcançar alívio momentâneo, a tendência é que a pessoa vá aumentando a frequência e a intensidade dessa busca. “Assim, um estímulo que antes era suficiente deixa de ser. Então, o sujeito pode começar a fazer coisas que, depois, se arrepende”, pontua, lembrando que, nesse estágio, o prazer torna-se efêmero e seguido de angústia.

Comorbidades. O comum e repetido ciclo de impulsividade e culpa ajuda a explicar o porquê de mais de 70% dos homens com o transtorno possuírem comorbidade psiquiátrica, como depressão e ansiedade. Ele pondera que essas disfunções podem tanto ser acarretadas pelo vício como serem uma realidade anterior ao desenvolvimento dele. 

Tratamento. Paixão informa que o tratamento da compulsão sexual precisa ser, na maioria das vezes, multidisciplinar, incluindo medicamentos para controlar a libido, como antidepressivos, e psicoterapia. As sessões podem ser individuais, quando se busca tratar os gatilhos e manejar os comportamentos, ou em grupo, quando há troca de experiências.