Áudios mostram captação de empresas em troca de propina no TO; ouça

19 de setembro de 2025 53

Investigação da Polícia Federal (PF) sobre desvios em contratos no Tocantins mostra que os mesmos envolvidos em supostas fraudes na compra de cestas básicas e frangos congelados também atuavam como intermediários na captação de empresas que topassem embarcar no esquema de pagamento de propina em troca do recebimento de valores devidos pelo estado.

Segundo a PF, quem teria sido designado para angariar empresários com altos valores a receber do governo para negociar sua liberação foi Paulo César Lustosa, conhecido como PC Lustosa.

Ele é ex-marido da primeira-dama do Tocantins, Karynne Sotero Campos. Por meio de sua defesa, ele nega qualquer envolvimento nos fatos investigados pelas autoridades.

A PF aponta que sua atuação ocorreu pelo menos desde o início de 2022. Para distanciar as tratativas ilegais da primeira-dama, PC Lustosa teria designado outras pessoas para atuarem como captadores. Dentre elas, o seu irmão, Wilton Rosa Pires, e Maria do Socorro Marques Brito, conhecida como Bispa Socorro.

PC Lustosa, diz a PF, atuou como um elo entre esses captadores e o governo do estado. De acordo com as investigações, ele teria um “amplo acesso” a pessoas da cúpula do governo do Tocantins, facilitando os trâmites do suposto esquema investigado.

Áudios incluídos nos autos da investigação, obtidos por meio do celular de PC Lustosa, indicam o funcionamento dessa operação entre os investigados. Ouça:

Segundo a PF, “em suma, a captadora [Bispa Socorro] afirma que o valor de 20% (supostamente ao governo) mais 5 ou 10% pra fora (possivelmente a ser distribuído à Bispa e PC Lustosa) foi considerado alto pelos empresários”.

Os agentes afirmam que, embora nem todas as negociações tenham sido fechadas, houve “diversas solicitações de vantagem indevida aos empresários”, bem como oferecimento de contrapropostas aos servidores, incluindo os percentuais definidos sobre o valor que a empresa receberia do estado.

O áudio acima foi gravado, segundo a PF, por Bispa Socorro, e encaminhado por meio de Wilton à PC Lustosa. Ambos têm o seguinte diálogo

Wilton: (encaminha áudio de Bispa Socorro): Conversei com os empresários, eles acharam 20% muito alto, então eles não vão fazer a negociata, viu. Esses de ontem, que eram quatro pagamentos, não vão fazer, porque ainda tem que ser 20%, ainda tinha que tirar cinco ou dez a mais pra fora né? E acharam muito alto o valor. Aí não vão fazer, eles já desfizeram o negócio. Aí eu tô procurando novas empresas que queiram fechar. E aí como já me passaram o valor, que eu vou conversar com o Paulo ainda, porque eles tão achando alto demais… Mas tá descartado as de ontem, eles não querem

Wilton: Dá uma luz pra ela aí. Negocia.

PC Lustosa: (envia áudio): Wilton, mas se ele já falou que descartou, então não tem nem negociação né, fazer o que? Se tiver outros aí me passa que eu vou fazer negociação […] vou propor dezessete lá né? Se eles toparem, o pessoal pagar dessa forma.[..] Ela falou que descartou, fazer o quê?

Segundo a PF, “em suma, a captadora [Bispa Socorro] afirma que o valor de 20% (supostamente ao governo) mais 5 ou 10% pra fora (possivelmente a ser distribuído à Bispa e PC Lustosa) foi considerado alto pelos empresários”.

Os agentes afirmam que, embora nem todas as negociações tenham sido fechadas, houve “diversas solicitações de vantagem indevida aos empresários”, bem como oferecimento de contrapropostas aos servidores, incluindo os percentuais definidos sobre o valor que a empresa receberia do estado.

PC Lustosa: (envia áudio) O jeito mais rápido de você levantar um dinheirinho pra você pra pagar essas contas, dar uma equilibrada nas suas finanças é conseguindo um negócio desses aí, um milhão, um milhão e pouco, entendeu? Consegue uma parada dessas. Num fica perguntando pra um e pro outro e fala quem é que vai ajeitar não, fala que é por você, você que vai arrumar entendeu, você que é o cara.

Outro diálogo, também de março daquele ano, mostra Wilton afirmando que encontrou uma empresa interessada e com milhões a receber.

Wilton: Mano

PC Lustosa: Diga

Wilton: Arrumei a empresa

PC Lustosa: Opa

Wilton: Para receber

PC Lustosa: Quanto aí ??

Wilton: Milhões

PC Lustosa: Preciso de todos os dados

PC Lustosa: ValorNúmero processoData processoEmpresa CNPJ [sic]

PC Lustosa: Preciso saber data pra ver se tá na precatória ou se vai

Reprodução/PFPrint de conversa no WhatsApp entre investigados na operações Fames-19

Print de conversa no WhatsApp entre investigados na operações Fames-19

Segundo a PF, no entanto, a partir da análise da conversa, a situação não prosperou.

Dias depois, já em abril de 2023, Wilton e PC Lustosa conversam de novo. De acordo com a investigação, “PC Lustosa cobra que Wilton se empenhe na prospecção de credores do estado”.

“Outra coisa, eu te passei aquela situação pra você resolver e arrumar alguém que tenha uma quantia gorda pra receber lá que seja pouco, não precisa ser milhões não, recebendo e entrando alguma coisa agora velho, já dá pra mexer.[…]”, afirma PC Lustosa em áudio.

Foi dois dias depois dessa conversa que Wilton encaminhou o áudio citado no início da reportagem de Bispa Socorro, falando sobre a supostas porcentagem de propina que não teria sido aceitas pela empresa, a qual considerou o valor de 20% sobre o pagamento alto.

No mesmo dia, em diálogo seguinte, a PF afirma que PC Lustosa “demonstra preocupação em tratar diretamente com a Bispa e apresenta contraproposta ao governo”. Ele afirma, em áudio, que “se eles quiserem fechar em 15 eu posso passar isso pra eles lá”. Ouça os áudios:

Na sequência, ele diz que teria falado “com eles aqui” e que “acho que fecha”. Wilton responde: “Amém”.

Reprodução/PFPrint de conversa no WhatsApp entre investigados na operações Fames-19

Print de conversa no WhatsApp entre investigados na operações Fames-19

Mesmo tendo demonstrado desconfiança em falar diretamente com Bispa Socorro no início, a PF afirma que ela, posteriormente, teria ganhado a confiança de PC Lustosa. “Destaca-se que os interlocutores tratam de processos distintos simultaneamente. Ademais, parte das conversas entre PC Lustosa e Bispa Socorro era feita presencialmente, em um posto de gasolina de Palmas”.

Operação Fames-19

A segunda fase da operação Fames-19 foi deflagrada pela Polícia Federal em 3 de setembro e resultou no afastamento, por 6 meses, do governador do Tocantins, Wanderlei Barbosa. A investigação mira supostas fraudes em compras de frangos congelados e cestas básicas durante a pandemia de covid-19.

A investigação aponta que os recursos desviados teriam sido ocultados em empreendimentos de luxo, compra de gado e despesas pessoais. Segundo a PF, os contratos sob suspeita somam cerca de R$ 97 milhões, com um prejuízo estimado aos cofres públicos de R$ 73 milhões.

O caso tramita no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e, segundo a PF, há “fortes indícios” de um esquema de desvio de recursos públicos entre os anos de 2020 e 2021, período em que os investigados teriam se aproveitado do estado de emergência em saúde pública e assistência social para fraudar contratos de fornecimento de cestas básicas.

Como mostrou a coluna, outros áudios obtidos no celular de PC Lustosa também levaram os investigadores à indícios de uma “foto fake” e de uma lista fraudulenta para burlar a fiscalização de compra de cestas básicas.

Em outro diálogo, também registrado pela coluna, PC Lustosa chega a citar nominalmente o governador afastado do Tocantins.

Defesa

A defesa de Paulo César Lustosa afirma que tomou conhecimento apenas de parte das informações do procedimento investigativo, e ressalta que as mensagens apresentadas tratam-se de recortes, trechos de conversas “descontextualizadas, que não refletem a realidade quando destacadas de forma fragmentada”.

Diz também que “infelizmente, a Polícia Federal trabalha dessa forma, como já fez em outras ocasiões, prejudicando a busca da verdade real, não se importando com a imagem de qualquer pessoa”.

“O Sr. Paulo Cesar reafirma que não tem qualquer envolvimento em esquemas ilícitos e confia que a Justiça esclarecerá todos os fatos no devido processo legal”, afirmou em nota enviada à coluna.

Já o governador afastado, Wanderlei Barbosa, negou ter participado de qualquer esquema ilícito envolvendo contratos públicos no Tocantins.

“O Governador não teve, nem tem qualquer envolvimento com contratos firmados para aquisição e distribuição de cestas básicas ou frangos congelados durante a pandemia, desconhecendo completamente a existência de listas ou fotos supostamente fraudadas”, afirmou em nota da defesa.

Com relação às pessoas citadas nas gravações, o governador ressaltou que não mantém vínculos de proximidade e que jamais autorizou qualquer pessoa a agir em seu nome.

“A defesa reforça a confiança de que o devido processo legal esclarecerá os fatos, demonstrando a inocência do Governador Wanderlei Barbosa e pondo fim a insinuações infundadas”, conclui a defesa.

Em nota divulgada após a operação da Polícia Federal, no início de setembro, o governador disse que recebeu decisão do STJ com “respeito às instituições”, mas ressaltou que se trata de “medida precipitada, adotada quando as apurações da operação Fames-19 ainda estão em andamento, sem conclusão definitiva sobre qualquer responsabilidade da minha parte”.

Segundo o governador, por sua determinação, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) e a Controladoria-Geral do Estado (CGE) instauraram auditoria sobre os contratos mencionados e encaminharam integralmente as informações às autoridades competentes.

Já a primeira-dama Karynne Sotero Campos diz que está separada de Paulo César Lustosa desde 2017, quatro anos antes das gravações mencionadas pela investigação. Ela também ressalta que não possui qualquer responsabilidade sobre os fatos apurados e que, desde então, não manteve qualquer vínculo, seja pessoal ou institucional, com PC Lustosa no período em que os áudios foram captados.

“Reforça, ainda, que é incorreto e injusto associar sua imagem à de Paulo César Lustosa, uma vez que suas trajetórias seguem completamente independentes há muitos anos”, afirmou também em nota.

A coluna entrou em contato com a defesa de Wilton Rosa Pires, que disse ainda não ter tido acesso aos autos e não se manifestará no momento.

A coluna também entrou em contato com a defesa de Maria do Socorro Marques Brito, que não se manifestou.

 

Fonte: Fabio Serapiao Letícia Pille