Especialista em bioética explica possíveis irregularidades no caso Prevent Senior

22 de setembro de 2021 76

Informações divulgadas nesta na última semana pela GloboNews com base em dossiê feito pela CPI do Genocídio revelam que a Prevent Sênior ocultou mortes de pacientes com e sem o diagnóstico de Covid-19 que participaram de estudos sem base científica feitos para apontar uma suposta eficácia dos remédios do “kit covid”, como a hidroxicloroquina e a azitromicina.

O experimento, que tem sido comparado a práticas nazistas, foi realizado no início da pandemia do coronavírus, no ano passado.

O Ministério Público Federal, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo e a Agência Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) investigam as denúncias, que vieram a partir de relatos de médicos que trabalhavam junto à operadora de saúde. A Prevent Senior nega as acusações.

Segundo o dossiê, a empresa ocultou 7 das 9 mortes de pacientes que foram submetidos ao experimento e há relatos de familiares de algumas dessas pessoas de que o plano de saúde não as informou sobre o procedimento que estava sendo adotado.

Além disso, um dos pacientes submetidos ao estudo que morreu, segundo a família, tinha problemas cardíacos e era hipertenso, fatores que impediriam a administração da cloroquina por conta de seus efeitos colaterais.

À Fórum a advogada Luciana Munhoz, que é especialista em bioética, afirmou que, se comprovadas as irregularidades no estudo com “kit Covid”, a Prevent Senior poderia ter incorrido em infração ética e moral, passível de sanção nas esferas penal e civil.

“Quando pensamos na ética dos profissionais e na responsabilização legal, estamos falando de um erro que ocorreu na relação dos profissionais com os pacientes. Os pacientes precisam entender o que está acontecendo. É importante que essas condutas sejam avaliadas e que as instituições sejam punidas para que situações como essa não voltem a acontecer”, afirma a advogada.

Confira abaixo a íntegra da entrevista em que Luciana Munhoz fala sobre as possíveis irregularidades cometidas pela Prevent Senior.

Fórum – Que tipo de crime ou irregularidade a Prevent Senior pode ter cometido ao submeter pacientes com Covid a experimento com cloroquina e remédios sem eficácia contra a Covid?

Luciana Munhoz – No Brasil, especificamente, temos a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) nº 466/2012, que trata sobre as normas a serem seguidas pelas instituições, pesquisadores e integrantes que vão participar daquela pesquisa. A Resolução do CNS traz o início de como deve acontecer as pesquisas, como deve ser o termo de consentimento livre e esclarecido a ser assinado. Temos que tomar cuidado quando falamos de experimentos com seres humanos. Foi um experimento ou uma pesquisa? Caso seja experimento, é ilegal. Mas uma pesquisa passa pelos comitês de ética em pesquisas, como a Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), que vão autorizar para que essas pesquisas aconteçam e avaliar os termos de consentimento e se pode ou não ser conduzida no país.

Outra questão importante é quando aconteceu esse falecimento. No período em que a pesquisa foi conduzida já se tinha certeza, por exemplo, que a cloroquina e a azitromicina ou combinação desses dois medicamentos não tinham eficácia, e ainda assim se seguiu com o experimento? Se sim, foi algo ilegal. Traz mais responsabilidade para a instituição que o conduziu. É importante se atentar para as questões de temporalidade. Hoje em dia, setembro de 2021, a gente já tem um conhecimento maior sobre a Covid-19, sobre o “Kit Covid” e, inclusive, sobre todas as consequências da utilização desse kit e o quão sem eficácia ele é.

Fórum – O fato da Prevent Senior, pelas notícias divulgadas, ter ocultado 7 das 9 mortes de pacientes que foram submetidos ao experimento, também configura algum tipo de crime ou irregularidade?

Luciana Munhoz – Sim. Quando pensamos em responsabilização, existem várias searas do tema. A gente tem a responsabilização penal e civil. Ou seja, temos a questão de indenização dos familiares por algum tipo de erro médico, no âmbito da saúde, como estar prescrevendo medicamentos que são contraindicados para determinados pacientes. E temos a responsabilização, também, na esfera administrativa. E, por fim, a gente tem uma responsabilização nessa área que envolve pesquisas com seres humanos. Quando temos irregularidades em uma pesquisa envolvendo seres humanos, existe um coordenador ou instituição responsável por essas pesquisas. A Resolução trata sobre a indenização de cobertura para reparação de dano causada pela pesquisa ao participante e familiares que desconheciam que isso acontecia. E, além disso, configura-se uma infração ética e moral.

Fórum – Um dos pacientes submetidos ao estudo que morreu tinha problemas cardíacos e era hipertenso, fatores que impediriam a administração da cloroquina por conta de seus efeitos colaterais. Há crime ou irregularidades nesse fato? Quais seriam as sanções cabíveis?

Luciana Munhoz – A gente está falando de uma infração, principalmente, ética. Mas, hoje em dia, podemos falar que é uma infração da esfera civil, quando a pessoa não tem a capacidade de dar autorização. Nós temos, atualmente, a jurisprudência que trata a necessidade deste termo de consentimento livre e esclarecido, não apenas nas pesquisas envolvendo seres humanos, mas até na própria assistência. O termo de consentimento dessa pesquisa envolvendo seres humanos explicava o que estava acontecendo ou não? E é necessário avaliar qual a regularidade desse termo. Lembrando que, nas experiências envolvendo seres humanos, os benefícios precisam ser superiores aos riscos.

Ademais, já existiam indicativos de que esse “Kit Covid”, com a cloroquina e a azitromicina, poderia trazer algum tipo de mazela para o paciente? Inclusive, especificamente, sobre esse paciente, havia um risco cardíaco, então estamos tratando de uma imperícia que aconteceu, um erro dos profissionais que trataram esse paciente. E cabe indenizações tanto na esfera civil quanto administrativa.

Quando pensamos na ética dos profissionais e na responsabilização legal, estamos falando de um erro que ocorreu na relação dos profissionais com os pacientes. Os pacientes precisam entender o que está acontecendo. É importante que essas condutas sejam avaliadas e que as instituições sejam punidas para que situações como essa não voltem a acontecer.

Fonte: REVISTA FÓRUM/POR IVAN LONGO