“Inferno Orwelliano”: China quer implantar sistema de crédito para avaliar seus cidadãos enquanto humanos
Até 2020, o governo chinês quer implementar o Social Credit Score (SCS), um controverso sistema de crédito social para avaliar todos os cidadãos do país.
A ideia é simples: cada pessoa irá receber uma pontuação, que fica disponível para que todos possam vê-la. A “nota” se baseia no comportamento social de cada um, ou seja, através dos seus gastos, pagamento de contas ou interações sociais e será a base que determina a fiabilidade de uma pessoa, que também será classificada publicamente.
O conceito apareceu pela primeira vez num documento do Conselho de Estado chinês, publicado em junho de 2014, e parece uma história saída de um livro de George Orwell, já que a “nota” afeta diretamente as pessoas em questões como elegibilidade para empregos, hipotecas de casas e as escolas dos filhos.
O governo quer o “serviço” disponível a partir de 2020, mas já iniciou uma implementação voluntária, em parceria com várias empresas privadas, para entender os detalhes algorítmicos necessários para que o sistema funcione em uma escala maior.
Milhões de dados
Nas empresas parceiras estão incluídos, por exemplo, a China Rapid Finance, parceira da rede social Tencent, a maior da China, e a Sesame Credit, uma subsidiária da empresa afiliada Alibaba Ant Financial Services Group (AFSG).
Ambas têm acesso a enormes quantidades de dados: a primeira através do aplicativo WeChat, atualmente com 850 milhões de utilizadores ativos, e a segunda através do serviço de pagamentos AliPay.
O Social Credit Score da Tencent já tem uma pontuação definida: um indivíduo atinge um intervalo entre 300 e 850 pontos e é dividida em cinco subcategorias: conexões sociais, comportamento de consumo, segurança, riqueza e conformidade.
A justificação para o uso deste sistema é a melhoria de alguns dos serviços do Estado, com alguns defensores da ideia a argumentar que daria aos cidadãos chineses o acesso necessário aos serviços financeiros.
No entanto, a questão crucial sobre o SCS é que vai além da capacidade de gerir dívidas da população. A verdade é que o programa vai atribuir uma “nota” às pessoas.
Controle absoluto
A iniciativa já provocou muitas críticas por todo o mundo. Exemplo disso é a opinião de Anurag Lal, CEO da empresa Infinite Convergence Solutions e ex-diretor da National Broadband Task Force no Governo de Barack Obama, em entrevista ao Futurism.
“A nota social proposta pela China é uma reafirmação absoluta de que o país continua a avançar para ser um estado policial completo”, afirmou. “Estão dando um passo a frente para se tornar não só um estado policial totalitário que controla a sua população, mas também que nega completamente a privacidade dos cidadãos”.
“Todas as formas de atividade e interações, online ou de qualquer outra forma, serão avaliadas, disponíveis para exibição de todos e armazenadas como dados”, acrescenta.
Por sua vez, o diretor de tecnologia da Sesame Credit, Li Yingyun, admitiu que uma pessoa poderá ser julgada até mesmo pelas compras que faz. “Alguém que joga videogames durante dez horas por dia, por exemplo, seria considerada uma pessoa preguiçosa”, disse.
“Já alguém que compra fraldas regularmente seria provavelmente considerado um pai de família, o que, comparativamente, lhe daria um maior sentido de responsabilidade”, acrescentou.
Apesar de admitir a falta de privacidade, Li vê a ideia como algo muito positivo porque as pessoas seriam estimuladas a assumir uma maior responsabilidade com seus hábitos de vida e de gastos, para conseguir uma nota positiva, ou seja, se tornar “confiável”.
China acabará prejudicada
Como seria de esperar, Lal discorda. “As pessoas fazem tantas coisas diferentes por tantos motivos diferentes que se o contexto não é considerado pode ser mal interpretado“, afirma.
“Alguém pode jogar videogames durante dez horas e o algoritmo pode deixar passar a verdadeira razão pela qual isso acontece. Talvez seja um engenheiro que está precisamente testando os jogos. Esse alguém será automaticamente taxado como uma pessoa preguiçosa quando, na realidade, está apenas fazendo o seu trabalho”, exemplifica.
Lal não acredita que a ideia possa resultar a longo prazo. “No mundo livre, isto nunca se encaixará. Se são suficientemente ingênuos para implementar o sistema, só acabará por prejudicar a credibilidade da China em uma escala regional e global”, pondera.
“As empresas tecnológicas que trabalham no país já estão frustradas o suficiente devido às imensas restrições a que são sujeitas quando se trata de políticas de tecnologia e criptografia – isto só fará aumentar a frustração”, conclui.