"Maduro terá que aceitar a derrota", diz o candidato da oposição na Venezuela

26 de julho de 2024 63

(crédito: Juan Barreto/AFP)

Aos 74 anos, Edmundo González Urrutia poderá se tornar, neste domingo (28/7), presidente eleito da Venezuela e pôr fim a um ciclo de 25 anos de chavismo. Mestre em relações internacionais pela American University (em Washington), ex-embaixador na Argélia e na Argentina, fluente em inglês e francês, e autor e compilador de 25 obras, González não esconde o otimismo. "Todas as pesquisas sérias nos dão ampla maioria", afirmou, em entrevista exclusiva ao Correio. Líder da coalizão opositora Plataforma Unitária Democrática, ele conta com o apoio irrestrito da ex-deputada liberal María Corina Machado, 56, que foi inabilitada politicamente pelo regime de Nicolás Maduro.

Para González Urrutia, Maduro não terá escolha a não ser "aceitar a derrota" e iniciar uma transição pacífica de poder. Nos últimos dias, o titular do Palácio de Miraflores ameaçou um "banho de sangue" e uma "guerra civil", caso seu projeto político seja barrado nas urnas. O candidato da oposição reconhece que, se sair vitoriosa no pleito, a oposição terá pela frente a "tarefa enorme" de reconstruir o país. González Urrutia nasceu em La Victoria, uma pequena cidade a cerca de 110km Caracas onde ocorreu uma das batalhas mais épicas da guerra de independência, em 1812. Somente mudou-se dali para cursar estudos internacionais pela Universidad Central de Venezuela (UCV). A estreia na carreira diplomática ocorreu em 1973, quando assumiu o posto de terceiro secretário da Embaixada da Venezuela em Bruxelas (Bélgica). Quatro anos depois, foi primeiro secretário da Embaixada da Venezuela nos Estados Unidos. Antes de assumir a embaixada em Buenos Aires, ocupou o cargo de diretor de Política Internacional do Ministério das Relações Exteriores da Venezuela, durante o governo de Ramón José Velásquez. 

De que modo o senhor vê as perseguições impostas à oposição pelo regime de Maduro durante a campanha?

A atitude do governo de impor restrições à nossa movimentação; a perseguição a pessoas que nos prestam serviços; as ameaças à líder María Corina Machado; entre outras ações; são demonstrações do medo do governo ante o avanço da oposição e ante o apoio que povo venezuelano brinda à nossa candidatura.

O senhor se sente pessoalmente ameaçado?

É claro que nos sentimos ameaçados pela natureza antidemocrática do governo de Maduro. No entanto, devo dizer que não recebi ameaças diretas. 

Quais as possibilidades de triunfo de sua candidatura no domingo?

Todas as pesquisas sérias nos dão ampla maioria. Todas indicam que nossa candidatura está muito à frente da do governo.

Maduro permitirá a transição de poder, caso o senhor vença a eleição?

Não temos dúvida de que Maduro terá que aceitar sua derrota e se dispor a uma transição pacífica e democrática. 

Por que o senhor pensa ser o melhor nome para governar a Venezuela?

Somos muitos os venezuelanos que poderíamos governar com honestidade o nosso país. Coube-me, em diferentes momentos, ser o porta-estandarte da oposição democrática. A minha candidatura foi uma decisão tomada por unanimidade por todas as forças políticas que formam a Plataforma Unitária Democrática. Meu compromisso é o de assumir esse grande desafio com responsabilidade, paixão, honestidade e disciplina. 

Edmundo González Urrutia e María Corina Machado se abraçam em Caracas: aposta na mudança

Edmundo González Urrutia e María Corina Machado se abraçam em Caracas: aposta na mudança(foto: Federico Parra/AFP)

Como será possível reconstruir a Venezuela e colocar o país na rota da democracia?

Nós estamos apostando que o nosso triunfo nas urnas será o início de uma grande abertura nacional para convocarmos os melhores. Nós governaremos com os melhores e para todos, sem exceções. Regressaremos ao Estado de Direito e respeitaremos a Constituição como um pacto social para a viabilidade e a estabilidade do país. Eu garanto uma alternância em paz, um país em que todos nos reencontremos, a fim de recompor e de reinstitucionalizar a Venezuela.

Quais os seus principais desafios, caso seja eleito? 

A tarefa é enorme. Não apenas na área econômica, mas também na esfera moral e no campo social. Há um desastre moral impressionante aqui. O primeiro a fazer é respeitarmos a Constituição e as leis. Vamos libertar os presos políticos e implementar um programa econômico que gere confiança e permita que a economia supere a crise atual.  

Chávez e Maduro implementaram um populismo com décadas de cooptação de eleitores. Como mudar isso? 

Os governos populistas geram expectativas e, no fim das contas, seus resultados são fatais. Toda a política que for positiva para a Venezuela será mantida. O que for necessário será mudado. Nós vamos gerar confiança nos setores produtivos nacionais e em investimentos estrangeiros. 

Caso se torne o próximo presidente da Venezuela, quais medidas tentará adotar para responsabilizar o regime de Maduro por violações dos direitos humanos? 

Nossa política não é a política da perseguição e da vingança. Não me corresponde esse papel. As instâncias legais serão as responsáveis pelo  acompanhamento das violações cometidas.

Pressão internacional no fim da campanha

Tranquilidade nas ruas de Caracas e no interior do país. Pressão internacional crescente. Foi com esses ingredientes que o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, e o opositor Edmundo González Urrutia, candidato da Plataforma Unitária Democrática, encerraram a campanha eleitoral, na capital do país. No domingo, 21.620.705 venezuelanos estão registrados para comparecer às urnas para escolher o próximo líder a ocupar o Palácio de Miraflores até 2030. No entanto, 4 milhões de cidadãos estão exilados no exterior e não têm permissão para votar.

Nos últimos dias, as ameaças de Maduro sobre um "banho de sangue" e uma "guerra civil", em caso de derrota, causaram preocupação em líderes regionais e tensionaram as eleições. Aliado do regime venezuelano, o ex-presidente da Bolívia Evo Morales disse que Maduro ganhará, mas advertiu: "O que estão preparando é uma ação internacional para dizer que houve fraude, que houve violência". "Ah, e pode haver mortos, claro."

 

Maduro segura réplica da espada de Simón Bolívar, em Maracaibo

Maduro segura réplica da espada de Simón Bolívar, em Maracaibo(foto: AFP)

 

O governo dos Estados Unidos alertou sobre o risco de confrontos. "Qualquer repressão e violência política é inaceitável na Venezuela", alertou o porta-voz de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby."Independentemente de quem ganhar, incentivamos ambos os candidatos a se comprometerem com um resultado pacífico e a trabalharem juntos pelo bem de todos os venezuelanos."

Apelo aos indecisos

Maduro comandou ato de campanha na cidade de Maracaibo — capital do estado petroleiro de Zulia — e deixou-se fotografar com uma réplica da espada do herói conquistador Simón Bolívar. Ele encerrou a campanha com uma marcha em Caracas. Mais cedo, o líder socialista gravou um pronunciamento à nação em que pediu um "voto de confiança" dos eleitores indecidos. "Para aqueles que alguma vez se opuseram a nós, apelo à sua razão benevolente, ao seu bom senso e patriotismo."

O presidente também apresentou seu Plano da Pátria, o programa de governo para o eventual próximo mandato. Segundo Maduro, trata-se de um "projeto do futuro", com "mudanças e transformações", para a Venezuela abandonar a profunda crise social e econômica pela qual atravessa nos 12 anos em que esteve no poder.

Professor de ciência política da Universidad Central de Venezuela (UCV), José Vicente Carrasquero Aumaitre disse ao Correio que a Plataforma Unitária Democrática tem uma "altíssima" probabilidade de obter mais votos do que o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV), de Nicolás Maduro. Ele não descarta que o presidente crie alguma armadilha para impedir que os eleitores da oposição votem no domingo. "Em todo o caso, as pesquisas indicam que a tendência é de grande comparecimento às urnas. Isso será traduzido em uma grande vitória para Edmundo González Urrutia", comentou. "Acho que Maduro reconhecerá a derrota, ao pensar em seu futuro político. Ações perigosas e suicidas podem acabar muito mal para o PSUV e para o presidente."

Brasil

Aumaitre considera fundamentais as cobranças da comunidade internacional para assegurar a transparência da votação. "Destaco a pressão, determinante, exercida pelo presidente Lula. Em abril, ele instou Maduro a reconhecer a candidatura de González Urrutia e chegou a falar com o colega venezuelano por duas vezes, nos últimos dias", destacou. Maduro chegou a sugerir a Lula que tome "chá de camomila", apesar de não ter citado nominalmente o brasileiro, após o petista condenar a fala sobre "banho de sangue".

O estudioso citou o papel desempenhado pelo chanceler da Colômbia, Luis Gilberto Murillo, e pelo presidente do Chile, Gabriel Boric. "Ambos se alinharam com Lula, o que deixa claro que Maduro não recebe mais o apoio incondicional que tinha da esquerda sul-americana", disse Aumaitre. "A ação dos Estados Unidos foi preponderate, ao costurar o Acordo de Barbados, que permitiu a realização das eleições. Maduro duvidava da participação da oposição." (RC)

Fonte: Rodrigo Craveiro