POR BEM FAZER MAL HAVER
Na época da descolonização “ exemplar”, retornou a Portugal, na companhia da família, trabalhador, que imigrara para Angola. Por lá angariou sustento, amealhando um pouco para a velhice.
Com ele, além dos filhos e mulher, trazia apenas malote, com roupas e objetos pessoais, que conseguiu reunir, na pressa de fugir do racismo, que campeava, nesse tempo, em terras africanas.
Desembarcou em Lisboa, como muitos, que em desespero, abandonaram: emprego e bens. Após percorrer hotéis, apressadamente alugados, para acolher “ retornados”, assentou viajar para a cidade do Porto.
Ansioso, buscou emprego; implorou auxílio; e, quando pensava partir para o Brasil, deparou alguém, que, condoído com a triste situação, autorizou que se abrigasse em moradia, com largo terreno, que possuía nos arredores.
O homem agradeceu penhorado; declarando: ficar, para sempre, devedor do benfeitor, e tratou de cultivar o terreno e procurar trabalho.
O tempo passou… Passaram dois ou três anos…, e o dono da casa, que por caridade o acolhera, querendo desfazer-se da propriedade, procurou-o, para avisar a venda da área.
Foi recebido de mau modo; e ameaçado com revolver aperrado:
-” Fuja daqui!… Não respondo, se lhe meter bala no bucho!…”
Receoso, fugiu. Pediu conselho a advogado. Este, esclareceu: que seria difícil despeja-lo. O mais acertado era esperar tempos melhores, que sempre chegam…
Assim fez. O tempo tornou a passar…Entretanto, o benemérito, faleceu…
Decorrido quatro décadas, passei por lá. Havia novos arruamentos e prédios novos no terreno.
Desconheço a quem pertencem ou pertenciam; apenas sei: que por bem fazer, mal haver.
Se não tivesse coração piedoso, não teria arranjado trabalhos para a velhice…
Esta história verdadeira, lembra outra: e do menino que se condoeu de serpente enregelada, aquecendo-a ao peito. Recuperando os sentidos, mordeu o benfeitor.
É bem verdade, o dito popular:
“ POR BEM FAZER, MAL HAVER…”