Por declarações, novo governo arrisca US$ 81,7 bilhões em exportações

O governo do presidente eleito, Jair Bolsonaro, ainda não começou oficialmente, mas põe em risco relações comerciais do Brasil com dezenas de países apenas por declarações controversas. As ideias partem, principalmente, do futuro chefe do Executivo federal e de Paulo Guedes, indicado ministro da Economia da próxima gestão.
Anunciado como futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújoterá que intermediar possíveis conflitos do Palácio do Planalto com países até então parceiros. Somente de janeiro a outubro deste ano, segundo dados do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (Mdic), o Brasil exportou mais de US$ 81,7 bilhões em produtos para 28 países que se viram envolvidos, direta ou indiretamente, em afirmações da dupla.
Ao longo da campanha presidencial e após a vitória no segundo turno, Bolsonaro e Guedes dispararam contra países como Cuba e membros do Mercosul (bloco econômico formado por Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela, além do Brasil). O presidente eleito também insiste na ideia de transferir a embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém, o que pode impactar as relações com países árabes, como Egito e Arábia Saudita.
Logo após o segundo turno, a China entrou nas polêmicas envolvendo comércio exterior. Um editorial publicado em um jornal estatal, Pequim advertia que o presidente eleito do Brasil não foi amigável com a potência asiática e alerta o militar para que ele não se comporte como um Donald Trump tropical, em alusão à espinhosa relação com o presidente dos Estados Unidos.
Além disso, ainda em pré-campanha em fevereiro deste ano, Bolsonaro visitou Taiwan, o que desagradou o governo chinês. A China considera a ilha como uma província dissidente de seu território. O governo de Taiwan enxerga-se como um Estado soberano.
Diretor de Estudos e Relações Econômicas e Políticas Internacionais do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), Renato Baumann acredita que o comportamento de Bolsonaro com o exterior gera mais dúvidas que certezas. “As declarações envolvem casos distintos. Com a China é uma situação delicada. É o maior parceiro comercial do Brasil. Isso, de cara, é um problema seríssimo”, avaliou.
As exportações para a China somam US$ 53,2 bilhões somente neste ano. O resultado já é 12,2% maior que o registrado em todo o ano passado. Em 2017, as exportações do Brasil para a China somaram US$ 47,4 bilhões. A soja é o principal produto vendido para os chineses (US$ 23,9 bilhões somente em 2018).
No ano passado, o saldo comercial do Brasil com o seu maior parceiro comercial foi de superávit de US$ 20,1 bilhões. Neste ano, o lucro é de US$ 23,3 bilhões, até o momento.
Para Verônica Prates, consultora em relações governamentais da Barral M Jorge, o risco dos acordos entre Brasil e China está no poder de negociação com Pequim. O maior peso das exportações brasileiras para os asiáticos está nas commodities. De lá, a maioria dos produtos enviados ao Brasil são manufaturados.
Já o professor Antônio Jorge Ramalho da Rocha, do Instituto de Relações Internacionais (Irel) da Universidade de Brasília, acredita que as críticas de Bolsonaro ao governo chinês fazem parte de um jogo político. As afirmações duras sinalizam que o presidente eleito “está atento à postura do parceiro econômico, mas que não significa um rompimento com Pequim”.
Embaixada em Jerusalém
Na última quarta-feira (14/11), Bolsonaro reafirmou o interesse de transferir a embaixada brasileira em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. A proposta é uma ideia defendida desde a campanha eleitoral pelo Palácio do Planalto. O presidente eleito mantém uma boa relação com o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, que já convidou o brasileiro para uma visita ao país.
No entanto, a transferência da representação do Brasil para Jerusalém provoca um atrito com países árabes. A mudança reconheceria, pelo menos ao governo brasileiro, que a capital de Israel é Jerusalém, um território santo para diversas religiões. A cidade é reivindicada pela Palestina, o que a coloca no centro dos conflitos no Oriente Médio.
Caso se confirme a transferência, Bolsonaro seguirá ideias de Trump. Em 2017, 128 países foram contrários à declaração do presidente norte-americano de que a cidade é a capital de Israel. Apenas oito países ficaram ao lado de Trump na Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU). O Brasil reconhece o Estado palestino desde 2010.
Além da mudança da representação brasileira em Israel, Bolsonaro avalia também fechar embaixada da Palestina em Brasília. O prédio fica relativamente próximo à área central da capital federal, o que incomoda o presidente eleito.
As relações comerciais do Brasil com 22 países membros da Liga Árabe pode ser afetada com a proposta de Bolsonaro. Neste ano, o Brasil o volume de exportações do Brasil para essas nações soma US$ 9,3 bilhões.
A Câmara de Comércio Árabe-Brasileira afirma que a relação de comércio e investimentos do Brasil com esse grupo de países pode ser abalada. Uma forma de retaliar, por exemplo, é buscar outros fornecedores para produtos vendidos pelo Brasil, como carne e açúcar.
Exportadores brasileiros para países árabes reclamam de declarações de Bolsonaro. O Brasil é o maior exportador mundial de carne Halal (animais abatidos sem sofrimento, seguindo os preceitos da religião muçulmana). Nos frigoríficos certificados por religiosos muçulmanos, as linhas de abate, por exemplo, estão voltadas para Meca.
O Egito é o principal parceiro comercial desse bloco. Até outubro, o montante de exportações foi de US$ 1,7 bilhão. Em uma primeira reação do mundo árabe às declarações pró-Israel de Bolsonaro, o governo do país árabe adiou uma visita oficial que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes, faria ao país entre os dias 8 e 11 deste mês. Não há uma nova data para a viagem.
Rocha acredita que o maior peso da transferência da representação brasileira em Israel recaia sobre o histórico diplomático do país. “O principal problema não é a relação com os outros países em si. O custo maior é a perda de coerência”.
Verônica Prates entende que, caso se confirme a transferência da embaixada, o impacto comercial não será imediato. “Nações não podem simplesmente finalizar acordos econômicos por motivos religiosos, por exemplo. Se isso acontecer, o Brasil poderá retaliar. Imediatamente, essa decisão deverá afetar as relações diplomáticas. As comerciais podem ficar para depois”.
Paulo Guedes, líder da equipe econômica do presidente eleito, Jair Bolsonaro
Relações latinas
Não apenas Bolsonaro que provocou controvérsias com outros países. Líder da equipe econômica do futuro governo, Paulo Guedes também disparou contra países parceiros do Brasil. Logo após a decretação de vitória de Bolsonaro no segundo turno, o economista disse que Argentina e Mercosul não eram prioridade para o futuro governo. Guedes argumentou que o Mercosul é “muito restritivo, que o Brasil ficou prisioneiro de alianças ideológicas e isso é ruim para a economia”.
Ele também disse que o bloco, formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai, só negociava com quem tinha “inclinações bolivarianas”, mas que isto não ocorreria mais a partir da presidência de Bolsonaro.
Aos quatro membros do Mercosul, o Brasil exportou US$ 18,8 bilhões somente em 2018. São acordos com Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela. Este último, fortemente criticado pelo presidente eleito. Para Baumann, a reação de Guedes ao bloco “deixou no ar um conjunto de dúvidas”.
Além do bloco sul-americano, as relações diplomáticas e comerciais do Brasil com Cuba também podem ser afetadas durante o governo de Jair Bolsonaro. O militar da reserva do Exército brasileiro critica o modelo político da nação insular. Cuba é gerida sob regime socialista. Por décadas, foi governada pelos irmãos Castro, Fidel e Raul. Atualmente, o presidente cubano é Miguel Diaz-Camel. Em 2018, o Brasil já exportou para a ilha da América Central US$ 294,9 milhões.
Na última semana, as relações diplomáticas com Cuba foram afetadas com o desembarque do país do programa Mais Médicos. Havana argumentou que Bolsonaro tem questionado a formação dos especialistas cubanos, condicionou sua permanência no programa à revalidação do diploma e impôs como único caminho a contratação individual.