Termópilas, os bastidores da operação que usou os mesmos métodos da Lava Jato

“A principal preocupação era o vazamento, era crucial mantermos o sigilo da operação e na véspera, dia 17 de novembro, a tensão aumentou”. Assim era o clima nas sedes da Polícia Federal e no Ministério Público do Estado de Rondônia em novembro de 2011, segundo um membro da força-tarefa, quando foi deflagrada a Operação Termópilas, uma das maiores ações contra corrupção no país. Dois anos antes da Operação Lava Jato, a equipe que gestou a Termópilas usou métodos que seriam adotados pelo Ministério Público Federal, como a delação premiada e bloqueio de recursos. Mas faltou à Termópilas o que sobrou à Lava Jato, pressão popular e um marketing agressivo.

A melhor analogia a ser utilizada para explicar a delação premiada é uma festa, “quem paquera primeiro, leva as mais bonitas. Assim é a delação, quem fala primeiro, consegue os melhores benefícios”. E quem saiu na frente foi a então deputada estadual Epifânia Barbosa (PT), a primeira a falar e entregar alguns pontos que estavam obscuros na investigação. Os investigadores já sabiam como funcionavam os pagamentos, quem recebia, mas quem está no processo sabe os pormenores e Epifânia passou. A ex-deputada havia recebido R$ 60 mil do então presidente da Assembleia Legislativa, Valter Araújo em troca de “apoio político”. Ela devolveu o dinheiro após sua detenção e conseguiu não ser presa.
A Termópilas teve início a partir de pagamentos feitos pela secretaria de Saúde a empresas de limpeza e manutenção hospitalar do deputado estadual Valter Araújo. O Tribunal de Contas havia determinado que o Estado não pagasse, já que haviam sido apontadas anomalias e irregularidades. Mesmo assim, o governo pagou. Ao mesmo tempo, Valter se movimentava para disputar a presidência da Assembleia e essa movimentação já estava sendo monitorada. Ao ser eleito, Valter pagava uma mesada a um grupo de parlamentares, eram eles, segundo o MP, Zequinha Araújo (PMDB), Ana da 8 (PTdoB), Saulo Moreira (PDT), Epifânia Barbosa (PT), Jean Oliveira (PSDB), Euclides Maciel (PSDB) e Flávio Lemos.
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Esses deputados operavam em um esquema de “bate e assopra” contra o executivo. Empresários que tinham contratos com o governo e precisavam receber, recorriam a Valter que cobrava os pagamentos em troca de uma porcentagem. Ele ficava com uma parte e pagava o grupo. Bastidores da operação revelam que a comunicação entre o grupo era intensa às vésperas dos pagamentos e a senha era “clareou com o presidente”. Quando um recebia, já avisava os demais que começavam a cobrar seu “quinhão”.
Paralelo aos desvios da saúde, Valter agia também no Detran de Rondônia, através do empresário José Miguel Saud Morheb, que ficou nacionalmente conhecido pela frase, “propina não é desperdício, propina é investimento”. Miguel tinha um contrato milionário com o Detran e na véspera da deflagração da operação, sua esposa, T. S. M, esteve no banco para aplicar em uma previdência privada do filho menor, R$ 4,5 milhões que estavam na conta corrente. Como o processo é lento, o dinheiro deve ser sacado através de um cheque, que precisa ser descontado e só então aplicado, o recurso foi bloqueado pela justiça e seria liberado algum tempo depois. Em valores atualizados equivale a R$ 6,5 milhões.
Ponto de desequilíbrio
A operação foi um sucesso do ponto de vista operacional. Todos os alvos foram localizados e os interrogatórios começaram no mesmo dia. A reação de todos os presos era de surpresa. A ex-deputada Ana da 8 tremia e não conseguiu falar em sua primeira entrevista. Rafael Santos Costa, responsável pela coleta de dinheiro para Valter e repassar dinheiro a alguns deputados fechou acordo quando percebeu a quantidade de material que tinha contra ele. Valter não acreditava no que estava acontecendo e em sua primeira entrevista estava abatido e atônito, “bem diferente daquele Valter que estava acostumado ao poder”, revelou um dos membros da força-tarefa, que atuou no caso.
PAINEL POLÍTICO ouviu ao longo dos últimos meses, vários atores do processo, empresários, réus e agentes que atuaram na operação. O saldo da Termópilas é de 80 processos e pelo menos 20% deles já resultaram em condenações, porém, todos estão soltos.
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O maior problema enfrentado pela Termópilas foi o pós-operação e algumas manobras jurídicas. O ponto de desequilíbrio foi o habeas corpus obtido por José Miguel Saud Morheb em junho de 2012, onde foram liberados os recursos apreendidos e a unificação de todos os seus processos, já que sua defesa alegou “crimes de natureza continuada”. O principal argumento era que Miguel “poderia sofrer várias condenações independentes,

em processos distintos, gerando uma eventual somatória de penas, na execução, que pode chegar a dezenas de anos de prisão, se condenado em todas as ações, ao passo em que, se reconhecida a conexão e a continuidade delitiva com a consequente reunião dos processos, o montante final da pena será infinitamente menor, podendo auferir regime inicial mais brando que o fechado e a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos”.
O advogado pediu que o Tribunal de Justiça juntasse todos os processos em apenas um, o que favoreceria o réu, que ao invés de ser julgado por cada um dos crimes e consequentemente condenado em cada um deles, totalizando, por exemplo, 200 anos de prisão, ele será condenado por uma pena única, por exemplo, a 10 anos de prisão, com os atenuantes, isso cairia para 4 anos, já que se trata de réu primário, com bons antecedentes, etc.
A partir desse ponto, tem início o desmonte da Termópilas, já que os demais réus se aproveitaram do habeas corpus e conseguiram o mesmo. Nos dias atuais essa decisão não teria progredido, à exemplo do que ocorre na Lava Jato, onde antes mesmo de expirarem as prisões provisórias, já saem condenações. A decisão monocrática foi debatida, mas os réus já haviam sido favorecidos. Seis anos após a operação ter sido deflagrada, a sensação é de impunidade. Valter Araújo, que ficou mais tempo preso cumpre prisão domiciliar e até mesmo a chamada “raia miúda” responde em liberdade.
Cuidado com a imagem
A Operação Termópilas foi um marco nas ações que vinham sendo realizadas Brasil afora. Pela primeira vez os envolvidos foram orientados a não expor os conduzidos. Foram tomados todos os cuidados para evitar fotos e filmagens para minimizar possíveis falhas. Os documentos referentes à operação eram manipulados por um pequeno grupo dentro do Ministério Público, e nem secretárias ou estagiários tinham acesso. Um dos promotores lembra que chegou a passar a noite perfurando papéis e teve como “ajudante” o Procurador Geral da época, Héverton de Aguiar. Foi Héverton, que tem uma visão operacional apurada, que imprimiu ao Ministério Público de Rondônia um ritmo de trabalho voltado a combater à corrupção. Foram 16 operações no total, e em todas elas o cuidado com a imagem dos acusados foi priorizado.

Segurança e impessoalidade
Os dias que sucederam à operação foram ainda mais tensos, relembra um dos agentes que participaram da operação. Havia uma preocupação com a segurança de todos, mas o MP havia adotado a “despersonalização”, centralizando as informações com o Procurador Geral, “ele era o porta-voz, com isso os demais atores envolvidos não se eram expostos”, revelou.
Após a operação, uma equipe do Ministério Público esteve na Assembleia onde explicou aos parlamentares os pormenores da Termópilas, reafirmando que se tratava de uma ação que tinha como foco a secretaria de saúde, mas durante as investigações surgiu o envolvimento de deputados. Isso manteve uma transparência nas relações institucionais. O diálogo com o Tribunal de Justiça também foi fundamental, e o saldo foi positivo.

Pontos obscuros
Um dos presos na Operação Termópilas, empresário que pagava propina a Valter Araújo, afirmou que, mesmo após sua prisão vinha sendo “cobrado” para que pagasse uma “diferença” de R$ 50 mil. Ele informou na época à Polícia Federal sobre a extorsão e se ofereceu para ajudar em um flagrante. “Fizeram ouvido de mercador, não quiseram saber e eu achei uma sacanagem, já que podiam ter flagrado os emissários do achaque, que vinha do governo”, afirmou.
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Durante os dias que sucederam à operação, relatos de interrogatórios não autorizados, feitos pela então secretária de Justiça Mírian Spreáfico foram registrados, ameaças contra testemunhas, e outras ações foram
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notificadas e constam no inquérito. A Termópilas, por uma questão de estratégia, optou por não abranger outros núcleos do governo, que surgiram nas investigações, “se abrirmos muito, vira um monstro e não conseguimos punir ninguém”, disse na época o então Procurador Geral Héverton Aguiar. Mas a Termópilas produziu um “filhote”, que foi a Platéias, deflagrada no final de 2014 que mirava exatamente o núcleo descoberto em 2011, chegando ao governador Confúcio Moura, que foi conduzido coercitivamente à Polícia Federal onde ficou por aproximadamente 10 horas.
A Platéias, por envolver o governador, está no Superior Tribunal de Justiça, mas ela deveria ter sido deflagrada antes e não foi por questões operacionais, a polícia federal entrou em greve, era ano eleitoral e outras operações estavam em andamento. A Platéias, pode se dizer, foi uma extensão da Termópilas e está tramitando no STJ.
Grande parte do material obtido para a execução da Platéias foi colhido durante a Termópilas, o principal delator, José Batista Silva, então secretário-adjunto de saúde do Estado e responsável direto pelos pagamentos feitos à Valter, havia atuado na campanha de Confúcio Moura e deu detalhes de captação de recursos de caixa 2, pagamento de propinas por empresas de fora do estado. A delação de Batista vazou durante as eleições em 2014 e lançou luz à detalhes até então desconhecidos. Ela vinha sendo mantida em sigilo exatamente para pegar os envolvidos de surpresa, mas mais uma vez, a política sobrepõe o interesse público e como resultado a operação, que aconteceu dias depois do segundo turno das eleições sofreu prejuízos. Tinha acabado o “fator supresa”.

Como estão os principais envolvidos
Zequinha Araújo (PMDB) – Não foi reeleito
Ana da 8 (PTdoB) – Não foi reeleita e já foi condenada
Saulo Moreira (PDT) – Reeleito
Epifânia Barbosa (PT) – Não foi reeleita
Jean Oliveira (PSDB) – Reeleito
Euclides Maciel (PSDB) – Não foi reeleito e já foi condenado
Flávio Lemos – Não foi reeleito
Valter Araújo – Não foi reeleito, responde a 22 processos em Primeiro Grau (já foi condenado), 8 em segundo grau e cumpre prisão domiciliar
José Batista – Não tem condenação, fechou acordo de delação premiada
José Miguel Saud Morheb – Responde a 21 processos no TJRO (eram 51). Todos estão em Primeiro Grau.
Rafael Santos Costa – Responde a 12 processos no TJRO em Primeiro Grau
Ederson Souza Bonfá (Goteira, braço direito de Valter Araújo) – Responde a 7 processos no TJRO em Primeiro Grau