CGU usa Chico Bento para desmascarar fraude na Farra do INSS

14 de outubro de 2025 81

A Controladoria-Geral da União (CGU) recorreu a um personagem dos quadrinhos para comprovar a fabricação de assinaturas fraudulentas produzidas por uma das entidades investigadas pela Polícia Federal na Farra do INSS, revelada pelo Metrópoles.

O uso do personagem Chico Bento, da Turma da Mônica, foi realizado pela CGU exclusivamente para fins de teste de funcionamento da ferramenta e verificação dos critérios de segurança existentes na plataforma “assinar.link”, da empresa Soluções Power Bi Software Tecnologia e Internet Ltda.

Reprodução/CGUFicha de filiação CGU Amar Brasil

CGU usou Chico Bento para comprovar fraude da Amar Brasil em fichas de filiação

Para a CGU, a Amar Brasil incorreu em “conduta lesiva” ao “produzir fichas de filiação fraudadas” e encaminhá-las ao INSS e à Dataprev. “Tendo em vista que a aparente legitimidade documental impôs dificuldade ao pleno exercício das funções fiscalizatórias e investigativas dos órgãos públicos competentes, notadamente do INSS e da própria CGU”.

A afirmação da CGU consta em relatório encaminhado à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS que embasou a abertura de processos administrativos de responsabilização (PAR) contra a Amar Brasil e contra a Soluções Power BI. A coluna procurou a empresa de tecnologia e a entidade, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.

O acesso a funcionalidades de administração da plataforma foi possível após a Amar Brasil Clube de Benefícios (Amar Brasil) encaminhar ao INSS um manual indicando usuário e senha, o que permitia a inclusão de novos associados.

Os testes com o personagem da Turma da Mônica, segundo a CGU, demonstraram que o sistema da Soluções Power BI permite que os termos de adesão sejam assinados sem qualquer verificação e com data anterior àquela em que o documento foi produzido. Além disso, o sistema permitia, posteriormente, a alteração dos documentos com a inserção de novos dados.

6 imagens

Ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto e o relator da CPMI, Alfredo Gaspar (União-AL), batem boca durante sessão da CPMI do INSS

Amar Brasil é investigada pela CGU na Farra do INSS

Sobre Igor Delecrode especificamente, a CGU lembra que o empresário era o ex-secretário executivo da Diretoria Administrativa da Amar Brasil e o atual responsável técnico de TI da entidade.

CGU instaurou 40 processos por descontos indevidos de beneficiários do INSS

CGU usou Chico Bento para comprovar fraude de da Amar Brasil em fichas de filiação

No documento, a CGU destaca que a ferramenta “assinar.link” da Soluções Power BI não atendeu aos requisitos de integridade, titularidade e autenticidade, “funcionando como uma ferramenta eletrônica capaz de forjar fichas de filiação e autorizações em massa”.

A Amar Brasil manifestou interesse na celebração do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS em março de 2022 e recebeu pelo menos R$ 235,2 milhões do Fundo do Regime Geral da Previdência Social.

Amar Brasil apresentou 79 assinaturas de menores de 16 anos

A CGU acusa a entidade de dificultar a atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos ao encaminhar fichas de filiação e autorizações de desconto forjadas.

Uma dessas evidências está na suposta assinatura de 79 crianças e adolescentes de até 16 anos nos termos de adesão à Amar Brasil. Na prática, isso é ilegal, uma vez que pessoas com essa faixa etária não têm “capacidade civil”, em outras palavras, não podem ser consideradas representantes legais.

“Tais elementos evidenciam, não apenas a ocorrência de irregularidades formais na constituição dos termos de adesão — os quais foram firmados, ainda que aparentemente, por indivíduos absolutamente incapazes —, mas também denotam uma conduta reiterada de transgressão aos termos do ACT e às normas que o regulamentam, de maneira a comprometer a legitimidade dos descontos consignados e prejudicar a fiscalização e confiabilidade dos mecanismos de controle”, escreveu a CGU.

“A submissão massiva de documentos formalmente inválidos à Dataprev, como os termos de adesão supostamente firmados por absolutamente incapazes, impõe uma excepcional dificuldade atuação dos órgãos de controle, ao demandar a análise individualizada de milhares de registros para se identificar os elementos irregulares”.

Entre as irregularidades identificadas nos termos de adesão submetidos pela Amar Brasil, utilizando a plataforma da Soluções Power BI, estavam:

  • Utilização da mesma fonte tipográfica para todas as assinaturas, o que é incompatível com a alegação de que foram “desenhadas no dispositivo” e reforça a hipótese de inserções padronizadas e automáticas.
  • O preenchimento do campo do nome do pai com “Não Informado” e do espaço para dependentes com “Art. 792 do Código Civil” em todos os casos, o que indica a produção em massa de fichas.
  • Encaminhamento de termos de adesão supostamente assinados após a data do óbito dos beneficiários.
  • Identificação de 79 termos de adesão supostamente assinados por indivíduos com menos de 16 anos de idade.
  • Omissão na apresentação de amostra de 40 fichas de filiação e documentos solicitados pela CGU, caracterizando infração à Lei Anticorrupção.
  • Além disso, após junho de 2024, as associações deveriam utilizar uma “solução transitória” com assinatura eletrônica avançada e biometria facial validada em bases do Governo com garantia de vivacidade (liveness), conforme previsto em Termo de Responsabilidade e Compromisso assinado pela Amar Brasil em 3 de junho de 2024.

No entanto, a investigação da CGU, ao consultar o Serpro que opera o sistema Datavalid, verificou que, na amostra analisada, nenhuma validação biométrica foi realizada com análise de vivacidade (liveness).

O papel da Soluções Power BI na fraude

Levantamento do Metrópoles identificou que oito entidades associativas contrataram a Soluções Power Bi, uma empresa pertencente ao empresário Igor Dias Delecrode, investigado na Farra do INSS.

Igor Delecrode não apenas é dono de empresas prestadoras de serviços das associações, como têm vínculos estatutários com quatro delas. A Amar Brasil, Master Prev, Aasap e Cenap.Asa tiveram o empresário como dirigente. Todas são investigadas pelas fraudes.

Segundo a CGU, a Soluções Power BI teve participação direta na fraude. “Sua conduta de fornecer plataformas com fragilidades que permitiam a criação de documentos fraudulentos com aparência de legalidade é preliminarmente tipificada como financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção”.

Sobre Igor Delecrode especificamente, a CGU lembra que o empresário era o ex-secretário executivo da Diretoria Administrativa da Amar Brasil e o atual responsável técnico de TI da entidade.

Além disso, a análise dos metadados de documentos encaminhados pela Amar Brasil ao INSS indica, segundo a análise da CGU, que a criação desses arquivos pode ser associada a “SERVERIGOR”, uma referência ao próprio Igor Dias Delecrode.

A CPMI do INSS já aprovou requerimentos de convocação de Igor Dias Delecrode, bem como de dirigentes da Amar Brasil. Ainda não há data para eles serem ouvidos.

Fonte: Manuel Marçal Tácio Lorran Fabio Serapiao Melissa Duarte Letícia Pille