CGU usa Chico Bento para desmascarar fraude na Farra do INSS
A Controladoria-Geral da União (CGU) recorreu a um personagem dos quadrinhos para comprovar a fabricação de assinaturas fraudulentas produzidas por uma das entidades investigadas pela Polícia Federal na Farra do INSS, revelada pelo Metrópoles.
O uso do personagem Chico Bento, da Turma da Mônica, foi realizado pela CGU exclusivamente para fins de teste de funcionamento da ferramenta e verificação dos critérios de segurança existentes na plataforma “assinar.link”, da empresa Soluções Power Bi Software Tecnologia e Internet Ltda.
Reprodução/CGU
CGU usou Chico Bento para comprovar fraude da Amar Brasil em fichas de filiação
Para a CGU, a Amar Brasil incorreu em “conduta lesiva” ao “produzir fichas de filiação fraudadas” e encaminhá-las ao INSS e à Dataprev. “Tendo em vista que a aparente legitimidade documental impôs dificuldade ao pleno exercício das funções fiscalizatórias e investigativas dos órgãos públicos competentes, notadamente do INSS e da própria CGU”.
A afirmação da CGU consta em relatório encaminhado à Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS que embasou a abertura de processos administrativos de responsabilização (PAR) contra a Amar Brasil e contra a Soluções Power BI. A coluna procurou a empresa de tecnologia e a entidade, mas não houve resposta até o fechamento desta reportagem.
O acesso a funcionalidades de administração da plataforma foi possível após a Amar Brasil Clube de Benefícios (Amar Brasil) encaminhar ao INSS um manual indicando usuário e senha, o que permitia a inclusão de novos associados.
Os testes com o personagem da Turma da Mônica, segundo a CGU, demonstraram que o sistema da Soluções Power BI permite que os termos de adesão sejam assinados sem qualquer verificação e com data anterior àquela em que o documento foi produzido. Além disso, o sistema permitia, posteriormente, a alteração dos documentos com a inserção de novos dados.
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No documento, a CGU destaca que a ferramenta “assinar.link” da Soluções Power BI não atendeu aos requisitos de integridade, titularidade e autenticidade, “funcionando como uma ferramenta eletrônica capaz de forjar fichas de filiação e autorizações em massa”.
A Amar Brasil manifestou interesse na celebração do Acordo de Cooperação Técnica (ACT) com o INSS em março de 2022 e recebeu pelo menos R$ 235,2 milhões do Fundo do Regime Geral da Previdência Social.
Amar Brasil apresentou 79 assinaturas de menores de 16 anos
A CGU acusa a entidade de dificultar a atividade de investigação ou fiscalização de órgãos públicos ao encaminhar fichas de filiação e autorizações de desconto forjadas.
Uma dessas evidências está na suposta assinatura de 79 crianças e adolescentes de até 16 anos nos termos de adesão à Amar Brasil. Na prática, isso é ilegal, uma vez que pessoas com essa faixa etária não têm “capacidade civil”, em outras palavras, não podem ser consideradas representantes legais.
“Tais elementos evidenciam, não apenas a ocorrência de irregularidades formais na constituição dos termos de adesão — os quais foram firmados, ainda que aparentemente, por indivíduos absolutamente incapazes —, mas também denotam uma conduta reiterada de transgressão aos termos do ACT e às normas que o regulamentam, de maneira a comprometer a legitimidade dos descontos consignados e prejudicar a fiscalização e confiabilidade dos mecanismos de controle”, escreveu a CGU.
“A submissão massiva de documentos formalmente inválidos à Dataprev, como os termos de adesão supostamente firmados por absolutamente incapazes, impõe uma excepcional dificuldade atuação dos órgãos de controle, ao demandar a análise individualizada de milhares de registros para se identificar os elementos irregulares”.
Entre as irregularidades identificadas nos termos de adesão submetidos pela Amar Brasil, utilizando a plataforma da Soluções Power BI, estavam:
- Utilização da mesma fonte tipográfica para todas as assinaturas, o que é incompatível com a alegação de que foram “desenhadas no dispositivo” e reforça a hipótese de inserções padronizadas e automáticas.
- O preenchimento do campo do nome do pai com “Não Informado” e do espaço para dependentes com “Art. 792 do Código Civil” em todos os casos, o que indica a produção em massa de fichas.
- Encaminhamento de termos de adesão supostamente assinados após a data do óbito dos beneficiários.
- Identificação de 79 termos de adesão supostamente assinados por indivíduos com menos de 16 anos de idade.
- Omissão na apresentação de amostra de 40 fichas de filiação e documentos solicitados pela CGU, caracterizando infração à Lei Anticorrupção.
- Além disso, após junho de 2024, as associações deveriam utilizar uma “solução transitória” com assinatura eletrônica avançada e biometria facial validada em bases do Governo com garantia de vivacidade (liveness), conforme previsto em Termo de Responsabilidade e Compromisso assinado pela Amar Brasil em 3 de junho de 2024.
No entanto, a investigação da CGU, ao consultar o Serpro que opera o sistema Datavalid, verificou que, na amostra analisada, nenhuma validação biométrica foi realizada com análise de vivacidade (liveness).
O papel da Soluções Power BI na fraude
Levantamento do Metrópoles identificou que oito entidades associativas contrataram a Soluções Power Bi, uma empresa pertencente ao empresário Igor Dias Delecrode, investigado na Farra do INSS.
Igor Delecrode não apenas é dono de empresas prestadoras de serviços das associações, como têm vínculos estatutários com quatro delas. A Amar Brasil, Master Prev, Aasap e Cenap.Asa tiveram o empresário como dirigente. Todas são investigadas pelas fraudes.
Segundo a CGU, a Soluções Power BI teve participação direta na fraude. “Sua conduta de fornecer plataformas com fragilidades que permitiam a criação de documentos fraudulentos com aparência de legalidade é preliminarmente tipificada como financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática de atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção”.
Sobre Igor Delecrode especificamente, a CGU lembra que o empresário era o ex-secretário executivo da Diretoria Administrativa da Amar Brasil e o atual responsável técnico de TI da entidade.
Além disso, a análise dos metadados de documentos encaminhados pela Amar Brasil ao INSS indica, segundo a análise da CGU, que a criação desses arquivos pode ser associada a “SERVERIGOR”, uma referência ao próprio Igor Dias Delecrode.
A CPMI do INSS já aprovou requerimentos de convocação de Igor Dias Delecrode, bem como de dirigentes da Amar Brasil. Ainda não há data para eles serem ouvidos.