Com Inep esvaziado, ministério garante realização de provas do Enem

10 de novembro de 2021 356

A poucos dias do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o órgão responsável pela elaboração e aplicação das provas, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), se transformou num grande navio com capitão, mas sem oficiais, depois da debandada de 37 servidores que ocupavam cargos de chefia na autarquia.

Apesar da crise institucional, o Ministério da Educação (MEC) garante: a avaliação será aplicada nos próximos dias 21 e 28. Preocupação de quem já esteve à frente da autarquia é de que acompanhamento de procedimentos-chave no dia da prova não seja feito, causando um duro golpe na segurança. O presidente do Inep é esperado hoje na Câmara dos Deputados.

Por meio de nota, o MEC informa que os cadernos de prova já estão com a empresa aplicadora e “o Inep está monitorando a situação para garantir a normalidade de sua execução”. O professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) José Francisco Soares, ex-presidente do Inep, chama a atenção para a excelência dos prestadores terceirizados, responsáveis pela logística do Enem. “São pessoas muito qualificadas e têm condição de executar”, afirma.

Mas, quem verifica, acompanha e assume os papéis mais importantes da operação são os supervisores do Inep. “No dia do Enem, essas pessoas viajam o país todo e estão presentes em lugares-chave, como aqueles de onde saem as provas. Desta vez, sem chefia, me pergunto se esses acompanhamentos vão existir, sabendo que a inexistência deles preocupa”, ressalta Soares.

 

A crise no Inep começou na segunda-feira, com uma espécie de demissão em massa de servidores federais. Na semana passada, dois coordenadores pediram desligamento das funções que ocupavam e, anteontem, foram seguidos por mais 35 colegas. Todos tinham postos de confiança e pediram dispensa dos cargos de chefia que ocupavam, mas seguem na função pública em suas atividades técnicas. As dispensas foram pedidas em ofício coletivo, que exaltou a “fragilidade técnica e administrativa da atual gestão máxima do Inep”. Em nota, a Associação dos Servidores do Inep (Assinep) lamentou que “a postura da alta gestão do Inep tenha levado a situação da autarquia a esse ponto dramático”.

 

“Não me importaria se (esse governo) tivesse ideias diferentes para organizar a educação, mas o problema é que não sabem qual direção tomar. O presidente atual (Danilo Dupas) junta esse amadorismo a uma forma de tratar funcionários pouco adequada”, afirma Chico Soares. “O Inep tem muita gene qualificada. A pessoa que coordenava a elaboração dos itens tem um doutorado em física e solidez acadêmica para discussões. Quando ele, com esse perfil, desiste e devolve o cargo, penso que algo muito sério está acontecendo”, diz. Para o professor da UFMG, “a responsabilidade deixou de ser do presidente do Inep e passou a ser do ministro (da Educação), que deve vir a público explicar”.

E rápido, caso em jogo está o futuro de milhões de estudantes que farão o Enem nas próximas semanas e a tensão em torno da aplicação do exame. Neste domingo, será aplicado ainda o Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). “Toda essa crise não respeita a sociedade, às vésperas da prova. Funcionários públicos estão colocando demandas legítimas no momento em que outros milhões de pessoas têm demandas legítimas também. O Inep tem que mostrar a cara, porque não é mais crise do Inep, mas do MEC.  Estudantes são parte e precisam ser ouvidos e respeitados”, destaca.

Audiência Pública

De todos os lados, a culpa da crise é creditada na conta do ministro Milton Ribeiro. Os últimos arranjos para blindá-lo frustraram os servidores federais. Danilo Dupas é esperado hoje na Comissão de Educação da Câmara, na condição de convidado – acordo costurado com parlamentares para “acalmar os ânimos” e preservar Ribeiro. Mas, nos bastidores, a convocação do ministro não está descartada. Questionado, a assessoria do Inep não respondeu se a agenda de seu presidente estava confirmada. E até ontem à noite, deputados e nem a Associação dos Servidores do Inep (Assinep), que também estará presente, tinham confirmação.

Denúncia de desmonte gerou crise

O pavio de pólvora que ronda o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) foi aceso em reunião da Associação dos Servidores do Inep (Assinep) no último dia 4. Em áudio enviado por uma rede social, o dirigente da Campanha Nacional pelo Direito a Educação, Daniel Cara, professor da Universidade de São Paulo (USP), conta que o servidor mais importante na estruturação do Inep e, por consequência, do Enem, que pediu para não ser identificado, disse que “está acabando o radar logístico do Enem e a segurança logística da aplicação do exame”.

 

“Dou um exemplo ilustrativo, mas é muito mais grave que isso. Basicamente, nesse radar e segurança, se acaba a luz durante o Enem numa escola ou numa região rural, em 5 minutos no máximo o Inep é avisado e toma uma providência. Isso significa que os estudantes ficam tranquilos e seguros para fazer a prova”, relata. “Ao mesmo tempo, por esse radar, se há vazamento da prova, o Inep sabe antes de todo mundo e pode agir. Isso está acabando na gestão Bolsonaro e na gestão Danilo Dupas. O resultado disso, segundo esse servidor, é que, no máximo, o Inep vai ficar sabendo pela imprensa depois, o que vai trazer insegurança na aplicação e insegurança jurídica, prejudicando a democratização de acesso à universidade”, continua.

Ao Estado de Minas , ele lembrou a estruturação do sistema de logística do Inep para evitar problemas, como o roubo da prova em 2009, dentro da gráfica responsável pela impressão. “Esses sistema vem sendo desconstruído de diversas maneiras: com a responsabilização dos servidores, e não do presidente, falta de investimento, cerceamento do processo e ataque gratuitos, como o que houve ao banco de testes, sob o pretexto de que o Enem é ideológico”, enumera. “Na avaliação dos servidores, o Enem está totalmente descoberto neste momento e não iam querer ser responsabilizados pelo governo”, pontua. (JO)

 

Quatro perguntas para...

Alexandre Retamal - presidente da Associação dos servidores do INEP

Qual o tamanho das demissões no Inep?

Até agora, 37 dos 110 cargos comissionados deixaram seus postos até terça-feira, a 13 dias da realização do Enem. A insatisfação entre os servidores é geral. Muitos órgãos estão nos parabenizando pela coragem de denunciar e podem se sentir motivados a seguir o mesmo caminho. Entre os servidores, a percepção é de que a gestão Bolsonaro atua para desmontar os órgãos responsáveis pela produção de dados de avaliação e monitoramento de políticas públicas, numa tentativa de esconder aspectos inconvenientes sobre a realidade brasileira.

O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), afirmou que a saída coletiva dos coordenadores do Inep tem cunho ideológico. A debandada foi de alguma forma articulada pelo Assinep? 

Quem sofre perseguição ideológica somos nós. O governo é que nos persegue. Isso não é um “movimento sindical”. O que a gente quer é que os protocolos e os procedimentos da administração pública sejam devidamente cumpridos para que a gente consiga trabalhar. Está muito difícil trabalhar, o governo não deixa.  O governo parece que tem uma estratégia de desmonte e desconstrução não só do trabalho do Inep, como de todos os órgãos responsáveis pela produção de evidências, de estatísticas para avaliação e monitoramento de políticas públicas. A perseguição ideológica é deles, do governo.

As demissões podem prejudicar a realização do Enem deste ano?

Acredito que as demissões não vão comprometer o Enem. O exame é realizado a partir de uma rede de governança, que envolve instituições públicas e privadas. A coordenação do processo, a supervisão dos contratos e a elaboração da prova é que cabem ao Inep. A prova já está pronta há seis meses. Ela também já foi impressa em gráficas contratadas. A distribuição é feita pelos Correios. E a aplicação cabe a um consórcio aplicador. Então, a saída dos servidores, em si, não chega a ser um empecilho para que o concurso aconteça.

E quanto aos repasses federais a escolas públicas? Como a saída em massa pode afetar isso?

Os repasses podem ficar prejudicados. Isso porque as informações produzidas pelo Inep embasam os cálculos da distribuição de verbas do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb). As entregas de cargos podem, por exemplo, resultar em atrasos na coleta de dados do Censo Escolar da Educação Básica do ano que vem. É a partir desse relatório que o Ministério da Educação prevê quanto cada escola receberá por ano do governo. Mas o problema mais grave aqui é, mais uma vez, da gestão do Inep.

Fonte: Junia Oliveira - Especial para o EM