Daleste 10 anos: assassinato de MC em SP completa uma década sem respostas sobre autoria; relembre hipóteses levantadas pela polícia

3 de julho de 2023 218

O assassinato de MC Daleste completa dez anos nesta semana sem que as autoridades tenham obtido respostas sobre autoria e motivação do crime em Campinas (SP). Aos 20 anos, no momento em que ascendia no "funk ostentação" com músicas que colocavam a Zona Leste de São Paulo em evidência no mapa da música, o jovem teve a vida interrompida após ser baleado durante um show no CDHU San Martin.

A investigação percorreu quase 100 km entre a metrópole no interior paulista e a capital em busca de explicações sobre a morte do cantor negro que também retratava cotidianos da periferia em hits como "Mais amor, menos recalque", além de experiências vistas nas quebradas, como "Mãe de traficante".

As suposições sobre crime passional, rixa na música com outro MC ou desavença por dinheiro convergiram no desfecho: a falta de provas sobre o homicídio de Daniel Pedreira Sena Pellegrini.

A perda sensibilizou nomes do funk e de outros ritmos, refletiu em atos com pedidos de justiça, além de milhões de cliques em vídeos do cantor na web que contribuem para ainda reverberar a memória.

Nesta semana, o g1 apresenta a série de reportagens "Herói da favela e ferida do sistema". São cinco conteúdos até 7 de julho, data do assassinato do cantor.

Entre eles, entrevistas com o delegado e o promotor do caso, pesquisadores, a criadora do principal fã clube, a irmã do músico, além de retrato do bairro onde ocorreu o homicídio.

Quem matou MC Daleste? Crime completa 10 anos sem que Polícia tenha esclarecido autoria

Quem matou MC Daleste? Crime completa 10 anos sem que Polícia tenha esclarecido autoria

'Autor profissional' e dificuldades

 

O Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) em Campinas e o Ministério Público em São Paulo (MP-SP) são categóricos em avaliar que o crime foi praticado por um "profissional", ou seja, alguém que sabia manusear a arma, estava longe de testemunhas, atingiu a vítima em movimento na apresentação, e ainda teve atenção suficiente para praticamente não deixar vestígios relevantes.

Para a Polícia Civil, o intervalo estimado em 40 minutos entre o fato e a comunicação recebida pela Polícia Militar comprometeu a preservação do local, para além das dificuldades atreladas ao cenário. A instituição frisou que o show de MC Daleste foi o primeiro com "aquela magnitude" feito na região.

"Esse crime foi extremamente planejado, calculado e muito bem executado, diga-se de passagem, tanto é que inviabilizou até o presente momento um esclarecimento", ressaltou o delegado Rui Pegolo, do DHPP de Campinas e responsável pelas investigações à época na cidade.

Segundo ele, os dois disparos que atingiram MC Daleste foram realizados a uma distância estimada de 100 a 150 metros do palco onde ele estava, embora, à época, o Instituto de Criminalística (IC) tenha chegado a divulgar projeção menor, de 40 metros: o primeiro atingiu de raspão a axila direita do funkeiro e provocou queimadura, enquanto o segundo, fatal, acertou a região do abdômen da vítima.

"Não se apurou o calibre em razão da completa falta de vestígios do estojo ou projétil. Transfixou o corpo da vítima e o palco, perdendo-se ao fundo, não sendo localizado [...] O IC não conseguiu apontar também com precisão. Trata-se de uma suposição a distância de 100 a 150 metros em razão do comportamento do público que não fugiu ao tempo dos dois disparos", afirmou o delegado.

Inquérito sobre a morte de MC Daleste, na Polícia Civil em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1 Campinas

Inquérito sobre a morte de MC Daleste, na Polícia Civil em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1 Campinas

O crime foi na noite de 6 de julho de 2013 e o músico morreu na madrugada posterior, após ser levado ao Hospital Municipal de Paulínia (SP) para atendimento, onde o óbito foi confirmado. A distância entre o atirador e o funkeiro, sobre o palco improvisado na carroceria de um caminhão, compreendia aproximadamente 5 mil espectadores e o evento não tinha alvará, o que significa que a regularidade poderia ter implicado, por exemplo, em policiamento e presença do Corpo de Bombeiros na área.

O palco ficava sobre um caminhão e, para a Polícia Civil, houve um mandante no crime, mas a investigação sobre a ordem e motivo esbarrou justamente na falta de informações sobre a autoria.

De acordo com Pegolo, ao menos 30 testemunhas foram ouvidas por uma força-tarefa, incluindo parentes de MC Daleste, amigos mais próximos, staff da banda, pessoas envolvidas com o show que acabou com o assassinato, e pessoas ligadas aos relatos que surgiram ao longo das investigações.

Onze dias após o assassinato, houve uma reconstituição do crime e a polícia chegou a divulgar recebimento de pelo menos 100 denúncias, mas nada que contribuísse para elucidar o crime.

"Nós fomos atrás de todos os meios possíveis para tentar chegar a essa autoria. Nós nos valemos de interceptações telefônicas, diligências, mandados de buscas, oitivas em presídios. Identificamos algumas mulheres que se relacionavam com a vítima e que pudessem ter algum companheiro criminoso que, ao tomar conhecimento desse crime, teria condições ou não de ser um mandante", explicou o delegado do DHPP de Campinas.

Ainda segundo ele, a polícia tentou rastrear veículos com multas em rodovias e mediações do local em busca de informações. Além disso, contou Pegolo, ao menos 40 imagens foram analisadas durante o inquérito após perícia, e nenhuma delas mostrou o local exato de onde partiram os disparos.

A conclusão do DHPP de Campinas é de que o crime foi premeditado.

"Acreditamos que o executor planejou, analisou aquele local antes [...] Talvez hoje, pela quantidade, mais câmeras de monitoramento, tecnologias dispostas em rodovias, a gente pudesse ter um outro desfecho. Mas o crime, repito, se fosse praticado hoje nos mesmos moldes, a polícia teria as mesmas dificuldades [...] Nós vemos uma luz, enxergamos uma luz distante que é quando a arma é acionada, entretanto essa luz estava aproximadamente a cento e cinquenta metros", ressaltou.

Reconstituição da morte do MC Daleste — Foto: Alessandro Torres/SigmaPress/Estadão Conteúdo

Reconstituição da morte do MC Daleste — Foto: Alessandro Torres/SigmaPress/Estadão Conteúdo

Hipóteses e conclusão

A Polícia Civil em Campinas apurou quatro hipóteses sobre o assassinato nas investigações até abril de 2014. Naquele ano, em meio à troca de comando da instituição na região (Deinter-2), o caso foi transferido para o DHPP de São Paulo para apoio nos trabalhos e porque Daleste era da cidade.

À época, o ex-diretor da instituição, Licurgo Nunes Costa, afirmou que o objetivo era "oxigenar as apurações" e ele admitiu que a equipe na capital contava com mais recursos. Porém, negou que a estrutura da polícia em Campinas naquele ano tenha contribuído para a decisão institucional. "Nós temos deficiência de pessoal e todo dia vocês [imprensa] falam, ninguém nega isso", falou.

Teses da polícia

  • crime passional
  • rixa na música com outro MC
  • desavença por dinheiro com organizadores da festa
  • suposto envolvimento de crime organizado por conta de 'taxa'

O inquérito do caso foi relatado pela Polícia Civil à Justiça em dezembro de 2015, reaberto em agosto do ano posterior, mas depois voltou a ser arquivado, também de forma inconclusiva, no mesmo ano .

"Algumas [denúncias] davam o crime como um crime passional. Ou seja, que a vítima tinha alguns envolvimentos amorosos, espúrios, sem o conhecimento da companheira ele tinha uma relação estável. Ele era praticamente casado com uma jovem na época. Então, surgiram alguns nomes, a polícia foi atrás, surgiram também denúncias de que davam conta de que poderia ter sido o crime organizado, que estava por trás do homicídio, surgiram denúncias também que davam conta de que os organizadores da festa, em razão de valores, poderiam estar por trás desta morte", falou Pegolo.

O delegado ressaltou que muitas das denúncias foram realizadas somente por telefone e as pessoas não apareciam. Ele lembrou ainda que uma das possibilidades checadas pela polícia em São Paulo foi a de suposto concorrente musical que, por razão de inveja, teria ordenado a morte de Daleste.

Embora a tese de crime passional tenha sido a mais apurada e responsável pela reabertura do caso entre 2015 e 2016, a polícia descartou tratá-la como "mais provável" como possível desfecho.

"Quando a polícia investiga um crime de homicídio, nós temos que responder algumas perguntas: Quem é a vítima? Onde e como o crime ocorreu? Qual foi a motivação? Quando nós começamos a responder a motivação do crime, você se aproxima muito da autoria do crime que é a última pergunta. Então, no caso específico do MC Daleste, a Polícia Civil não conseguiu esclarecer qual foi a motivação do crime [...] Hoje eu não consigo elencar proporcionalmente: 'Qual foi o motivo principal? Eu não tenho essa resposta'", concluiu Pegolo.

MC Daleste morreu aos 20 anos, após ser baleado — Foto: Reprodução/Facebook

MC Daleste morreu aos 20 anos, após ser baleado — Foto: Reprodução/Facebook

Em relatório antes do arquivamento, a Polícia Civil de Campinas descreveu:

"Independentemente da linha de investigação adotada, Daleste não se valia de qualquer tipo de segurança pessoal, mesmo tendo consciência de que por inúmeras vezes apresentava-se em locais notadamente perigosos, dominados pela criminalidade, a despeito dos protestos de seus familiares e amigos de produção. Era de acordo entre os mesmos que Daleste seguia exclusivamente suas ideias e convicções próprias, deixando de lado os conselhos advindos daqueles que o cercavam. Daleste, poucas palavras, conduzia sozinho sua vida pessoal e artística. Como o meio em que o MC se inseria, bem como o local em que se deu sua morte, tinha forte influência da criminalidade, conforme sua própria produção confidenciou, resultou-se que, para a Polícia houve ainda mais obstáculos para se coletar qualquer tipo de informação confiável, uma vez que a "Lei do Silêncio" impera sempre nesses ambientes, o que não poderia ser diferente, já que o crime possui métodos de persuasão bastante eficazes."

O g1 não conseguiu contato com a organização do show à época até esta publicação.

O delegado Rui Pegolo, responsável por apurar a morte de MC Daleste em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1 Campinas

O delegado Rui Pegolo, responsável por apurar a morte de MC Daleste em Campinas — Foto: Fernando Pacífico/g1 Campinas

Funk ostentação

O funk ostentação mistura a batida do funk carioca com letras sobre bens materiais. Em vez de ousadias sexuais, os temas são artigos de preços elevados: carros, motos, óculos, roupas e bebidas.

No início da carreira, Daleste causou polêmica ao cantar o estilo "proibidão", letras com referências a atos de violência, sexo e drogas, como em "Apologia", com o trecho "matar os policia é a nossa meta".

Frase deixada em muro na região do San Martin, à época do crime — Foto: Marcello Carvalho/g1 Campinas

Frase deixada em muro na região do San Martin, à época do crime — Foto: Marcello Carvalho/g1 Campinas

Cartaz afixado em grade no CDHU San Martin, após o crime  — Foto: Marcello Carvalho/g1 Campinas

Cartaz afixado em grade no CDHU San Martin, após o crime — Foto: Marcello Carvalho/g1 Campinas

Homenagem ao MC Daleste na área do Centro de Convivência — Foto: Fernando Pacífico/g1 Campinas

Homenagem ao MC Daleste na área do Centro de Convivência — Foto: Fernando Pacífico/g1 Campinas

 

 

 

Fonte: Por Fernando Pacífico, g1 Campinas e Região