Educação contra crimes sexuais é estratégia para mudança de cultura

14 de outubro de 2022 304

Desde que a importunação sexual passou a ser crime, em 2018, foram contabilizados 1.423 casos no Distrito Federal. Só este ano, a Polícia Civil do DF registrou 304 ocorrências de mulheres relatando terem sofrido investidas de caráter sexual sem o consentimento. Apesar da média ser de um caso e meio por dia, estima-se que o número pode ser ainda maior, uma vez que a lei é recente e, aos poucos, as mulheres estão entendendo o caráter criminoso da prática.

Situações como beijos roubados, toques em partes do corpo sem consentimento e outros comportamentos praticados como forma de satisfazer o desejo sexual próprio, sem que haja consentimento da vítima, são crimes de importunação sexual. No DF, segundo dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP), mais de 90% das vítimas são mulheres importunadas principalmente em bares, transporte público e, na maioria das vezes, dentro de casa.

Situação vivenciada por Milena Martins, 28 anos, moradora no Riacho Fundo 1. Diariamente, a vendedora usa o transporte público e narra situações de constrangimento sexual vividas no coletivo, como homens roçando as partes genitais nela ou encostando quando ela estava em pé. "Na primeira vez, eu não acreditei no que estava acontecendo. Pedi para o homem se afastar, mas ele continuou. Precisei pedir ajuda ao cobrador, que mandou o homem parar", conta. Desde então, a moça evita os assentos do corredor, ou lugares ao lado de homens. Outra estratégia, é viajar perto da porta, quando ela não consegue um lugar para sentar, assim a jovem pode descer com facilidade, caso sinta-se ameaçada.

Sensibilização

Parte da consciência dos crimes contra a dignidade sexual ocorre por meio de campanhas e ações informativas de órgãos públicos. Recentemente, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) desenvolveu o curso Consinto porque existo, que busca uma mudança cultural para diminuir esse tipo de ocorrência. O material é empregado como parte da responsabilização dos autores de crimes sexuais praticados sem violência ou grave ameaça contra pessoas maiores de 14 anos.

O programa, de caráter educativo e psicossocial, é composto por cinco vídeo aulas e foi elaborado para casos em que for possível suspender o processo. Segundo assessoria do MPDFT, as aulas estão disponíveis no formato de Ensino a Distância (EaD) e serão empregadas quando no caso couber Acordos de Não Persecução Penal (ANPP) e Suspensão Condicional do Processo — acordos feitos na justiça, nos quais a pena de prisão é substituída por uma pena alternativa.

A medida pedagógica também pode ser usada durante o cumprimento da pena. Mas, como o principal objetivo é refletir sobre o que é consentimento, a ação não é direcionada para condutas criminosas praticadas contra crianças e adolescentes menores de 14 anos.

Paola Luduvice, supervisora técnica do projeto, explica que o curso nasceu de uma inquietação causada por processos arquivados e penas que não traziam reflexão sobre o delito, deixando o criminoso impune e com potencial para delinquir novamente. "A criminalização não é suficiente. É preciso fazer com que o indivíduo entenda como a cultura social constrói o conceito de masculinidades e fomenta a violência de gênero", afirma.

No final do mês de setembro, membros e servidores do MPDTF foram preparados para utilizar o material do Consinto porque existo, que passa a ser utilizado neste mês de outubro. Com uma linguagem simples e direta, a medida alternativa foi formulada para ser compreendida por pessoas de qualquer nível de instrução, inclusive as não alfabetizadas. Os vídeos têm duração entre 10 e 20 minutos e abordam conceitos que envolvem a violência contra a dignidade sexual mediante exemplos, que facilitam o entendimento.

Com o objetivo de promover a empatia, o impacto na vida da vítima também está presente na abordagem mostrando que a conduta, além de criminosa, pode trazer consequências cruéis para quem sofre. A promotora de justiça Mariana Távora, uma das idealizadoras do projeto, esclarece que "é o início de um processo de reflexão. Os autores deste tipo de crime precisam compreender que a violência de gênero está na base da sociedade e contamina a vida social, comunitária e política", explica.

A proposta do MPDFT vai ao encontro da evolução do direito penal e do reconhecimento de que as penas privativas de liberdade não são suficientes para promover a mudança social desejada, principalmente quando o crime envolve práticas recorrentes. O especialista em Direito Criminal do Ceub Victor Quintiere discorre sobre o tema, principalmente, pela falta de vagas no sistema prisional. "É importante que, em termos de política criminal, possamos tratar de maneira mais eficiente a questão da criminalidade, principalmente em um país com uma das maiores populações carcerárias do mundo", argumenta.

*Estagiária sob a supervisão de Juliana Oliveira

Fonte: Luciana Duarte*