Entendendo Economia: A Reforma da Previdência é para Beneficiar os Bancos

23 de fevereiro de 2018 606

O principal argumento do Governo Temer para fazer a Reforma da Previdência, batido e repetido todo santo dia pela grande mídia corporativa e os representantes dos bancos e dos fundos de pensão privado, é o seguinte: a Previdência Social atual tem um déficit estrutural; a sua receita, proveniente da contribuição de empregados e patrões, é menor do que o valor dos benefícios (aposentadorias e pensões) que ela tem que pagar.

 

Por isso, segundo os seus defensores, o governo é obrigado a cobrir esse déficit do Orçamento da Previdência Social com recursos do Orçamento Fiscal, obtidos com a arrecadação tributária em geral, tendo por consequência uma menor disponibilidade de recursos para os outros gastos sociais, como educação e saúde. Além disso, esse suposto déficit da Previdência seria a principal causa do déficit público federal.

Para resolver esse suposto problema, o atual projeto da Reforma da Previdência, que deverá ser votado pelo Congresso, e que alterou alguns aspectos da proposta original do governo, propõe uma série de medidas no sentido de reduzir os gastos com as aposentadorias e pensões. Os seus defensores afirmam, com o objetivo claro de aterrorizar os atuais e futuros segurados, que se essas medidas não forem postas em prática, a Previdência Social ficará inviabilizada – deixando milhões de aposentados e pensionistas sem receber os seus benefícios.

Na verdade, é preciso afirmar e repetir como um mantra que: “a Previdência Social não é deficitária”. O déficit é fabricado por um artifício contábil que agride a Constituição Brasileira em vigor desde 1988. Nesta, a Previdência Social, juntamente com a Assistência Social e a Saúde, constitui a Seguridade Social (artigo 194) que todos os brasileiros têm direito: a maior conquista social ali inscrita. Para o financiamento desse conjunto de obrigações do Estado para com os cidadãos foram definidas várias fontes de receitas (artigo 195): a contribuição de trabalhadores e empresas para o INSS relacionadas à folha salarial, a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), PIS/PASEP, e outras menos importantes. A receita proveniente dessas fontes é sempre maior, ano a ano, do que as despesas com o conjunto da Seguridade Social; portanto, o orçamento da Seguridade Social é sempre superavitário (em média R$ 50 bilhões nos últimos 10 anos). Em 2016 apareceu, pela primeira vez, um déficit – decorrente da crise econômica que, em razão do desemprego, reduziu o montante total das contribuições.

O Governo Temer, como todos os anteriores que defenderam a existência de um déficit, desvincula a Previdência Social da Seguridade Social e considera apenas a contribuição de trabalhadores e empresas. Adicionalmente, retiram, através da DRU (Desvinculação de Receitas da União), que existe desde o Governo Itamar Franco (na época denominada hipocritamente, como Fundo Social de Emergência), 30% das receitas da Seguridade Social para, principalmente, o pagamento dos juros da dívida pública. E, por fim, promove desonerações, como para o agronegócio, e não cobra os devedores da Previdência Social (em torno de 450 bilhões de reais). Em suma, o objetivo claro é transferir recursos da Seguridade Social para o capital financeiro e empurrar todos os trabalhadores que ganham um pouco mais que três salários mínimos para os Planos de Previdência privada, geridos pelos bancos.

O conteúdo geral da proposta é uma excrecência, as alterações sofridas na Comissão Especial na Câmara dos Deputados não mudou o caráter regressivo e o objetivo fundamental da Reforma da Previdência proposta. As alterações não modificam, essencialmente, o ataque violento e grosseiro da proposta original contra os trabalhadores e os mais pobres; elas foram fruto das negociações parlamentares no interior da própria base do Governo Temer, preocupada com as repercussões políticas nas próximas eleições.

Eis duas dessas alterações, como exemplos: 1- a idade mínima das mulheres, que hoje é de 55 anos e na proposta original era de 65 anos, foi definida em 62 anos; 2- o tempo de contribuição para ter direito ao benefício integral, que atualmente é de 30 anos para mulher e 35 anos para o homem, e era de 49 anos na proposta original, ficou definido em 40 anos de trabalho comprovado. Todas as alterações que foram feitas apenas “aliviam” marginalmente a proposta original, ao tempo em que pioram todas as regras da aposentadoria atualmente existentes.

Outras medidas da proposta original que foram mantidas: 1- para os homens, a idade mínima de aposentadoria aumenta de 60 para 65 anos; 2- tempo mínimo de contribuição de 15 anos (no projeto inicial era de 25 anos), para quem se aposenta por idade (65 anos); 3- os atuais segurados, que pela regra atual ainda não tem tempo para se aposentar, terão o tempo restante de contribuição aumentado em 30%; 4- criação de um fundo de previdência complementar para os servidores públicos estaduais e municipais, pois os valores de suas aposentadorias estarão limitados ao teto do INSS. Além disso, por meio de uma Medida Provisória, suspensa momentaneamente pelo STF, o governo quer aumentar de 11% para 14% o valor da contribuição do servidor público federal, que atualmente já paga contribuição mesmo depois de aposentado.

Em síntese, as alterações patrocinadas pelo parlamento são uma tentativa de ação política semelhante à conhecida parábola do “bode na sala”, na qual o animal é ali colocado apenas para, posteriormente às queixas e protestos, ser retirado e, assim, dar a sensação de alívio. Mas, de fato, não passou de uma tentativa, porque a proposta original da Reforma da Previdência é tão grosseira que as alterações ocorridas só conseguiram, no máximo, retirar da sala as unhas do bode.

O Governo Temer, completamente desmoralizado, não tem qualquer legitimidade política para realizar as reformas estruturais profundas que vem fazendo, como congelar os gastos públicos correntes por vinte anos; alterar a legislação trabalhista, extinguindo direitos dos trabalhadores e favorecendo o capital; acabar com a política de conteúdo nacional, desestruturando a cadeia produtiva do petróleo; alterar a forma de exploração do pré-sal, entregando essa riqueza às multinacionais; privatizar a Eletrobrás e autorizar a venda da Embraer; e, agora, a Reforma da Previdência. Todas elas, sem exceção, dirigidas para atender os interesses do capital em geral e, em particular, do capital financeiro internacional. E mais, com absoluta certeza, nenhuma delas passaria pelo crivo das urnas em uma eleição ou consulta democrática; a enorme rejeição a Michel Temer, ao seu governo e ao Congresso Nacional fala por si mesmo.
Professor Titular da Faculdade de Economia da UFBA. Doutor em Teoria Econômica pela UNICAMP e Pós-Doutorado em Política Econômica pela Universidade Paris XIII. Autor do livro “História do Plano Real” (Editora Boitempo: 2000, São Paulo; última edição em 2016) e coautor do livro “Economia Política do Governo Lula” (Editora Contraponto: 2007, RJ).