Fernando Canzian, que tem na prateleiro quatro prêmios Esso de jornalismo, é autor de uma análise perspicaz dogambito de Temer, cuja leitura, creio, será bem esclarecedora para os leitores deste blog.
E está certo ao criticar a falta de ideias novas por parte de uma esquerda que, dois anos após a derrubada de Dilma Rousseff, ainda não a digeriu nem dela extraiu as conclusões que se impunham.
Vejo com desalento que, exatamente como eu previ tão logo Dilma perdeu seu mandato, tudo se encaminha para haver uma melhora na situação econômica brasileira no segundo semestre deste ano eleitoral, alavancando os candidatos de centro e de direita.
Recomendei que, ao invés de sonhar com uma improvável volta à presidência da República em 2018 (para quê, se hoje os presidentes são meros biombos atrás dos quais se oculta o verdadeiro poder, o econômico?), a esquerda deveria é construir seu projeto de poder nas ruas e locais de trabalho, indo ralar onde o povo está e desencanando de refestelar-se nos gabinetes da Praça dos Três Poderes.
O desenrolar dos acontecimentos começa a mostrar que a aposta eleitoreira, além de inútil, será um fracasso, só servindo para coonestar a eleição de qualquer representante do campo inimigo.
O Não vote! pregado pelo companheiro Dalton Rosado tem tudo a ver: a esquerda só reconstruirá o Brasil se seu projeto de unidade for no sentido de superação do capitalismo, não de dar-lhe sobrevida embora o prazo de validade já tenha expirado há muito tempo...
COM ESQUERDA PERDIDA,TEMER PREPARA VOO
DE GALINHA
DE GALINHA
Com a intervenção na segurança do Rio e o abandono da Previdência, Michel Temer lançou informalmente sua pré-candidatura à Presidência trocando uma reforma vital e impopular pela agenda populista de Jair Bolsonaro.
Temer não tem nada a perder e já mostrou falta de retidão e muita capacidade de mobilização política ao barrar as duas denúncias da PGR no ano passado, que custaram o esvaziamento, no Congresso, do apoio à Previdência.
A ponte para o futuro das reformas inadiáveis sai e o foco agora é o futuro de Temer e sua perspectiva real de ser processado fora do cargo em 2019.
Temer tem só 6% de aprovação, mas pode ser empurrado em seus planos por um bom impulso da economia neste ano e pelo fato de seu MDB ainda controlar 20% das prefeituras, onde o apoio miúdo dos prefeitos é bastante decisivo.
O presidente também contará com uma ajuda extraordinária da falta de rumo da esquerda, que poderia se organizar em torno da baixa popularidade do presidente e contar com o fato de muitos Brasil afora associarem a recente recessão a Temer, e não à sua autora, Dilma Rousseff.
Enquanto Lula tende a levar até o fim sua candidatura sem futuro (por se tornar ficha suja), sufocando o surgimento de um substituto com seu apoio, a esquerda se mostra totalmente perdida.
Na terça-feira (20), PT, PDT, PC do B, PSB e Psol lançaram na Câmara dos Deputados o documento Unidade para Reconstruir o Brasil, vendido como grande projeto da esquerda para a eleição deste ano.
Em pleno século 21, o diagnóstico do problema é que há uma "tentativa das grandes potências capitalistas de subordinarem o nosso país aos ditames de uma ordem neocolonial".
Como solução, sugerem a "retomada do crescimento econômico associado à redução das desigualdades sociais, geração de empregos e distribuição de renda". Como não pensamos nisso antes!?
Quando a eleição estiver chegando, é provável que o PIB anualizado esteja rodando perto de 4%, com a inflação no piso da meta. Sem reajuste desde 2016, é certo também que o Bolsa Família (que chega a ¼ dos brasileiros) tenha um bom aumento real e o desemprego siga caindo (a taxa trimestral cedeu dois pontos em 2017).
Temer também está autorizado pelo Congresso a encerrar 2018 com um deficit de até R$ 159 bilhões, o mesmo valor de 2017 (que fechou R$ 34,5 bilhões abaixo desse limite). Isso indica espaço para bondades neste ano.
O tal feel good factor, portanto, tende a cair no colo de Temer, apesar de tudo e dos seus 6%.
No longo prazo, porém, nada disso é sustentável quando o gasto obrigatório federal representa 105% da receita líquida e seu financiamento se faz com endividamento crescente. De 2010 para cá, esses gastos subiram 31%, com Previdência (e seu deficit) à frente.
Sem as reformas que o presidente agora abandona para tentar se reeleger, o Brasil está novamente na pista para mais um já clássico voo da galinha: o país decola depois da forte recessão e se estrepa de novo mais à frente. Com ou sem Temer. (Por Fernando Canzian)