Mineração: empresas e órgãos ambientais não vão à audiência pública debater com comunidades atingidas

10 de abril de 2018 844

O plenarinho da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul ficou quase lotado na tarde de segunda-feira (9) para a audiência pública que debateu projetos de mineração em curso no Estado. A maioria da audiência foi composta por moradores dos territórios impactados por esses projetos, em especial das regiões da Bacia do Camaquã e do município de São José do Norte. Algumas ausências, por outro lado, foram marcantes, como a das empresas mineradoras e dos órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento desses projetos. Convidados, o Ibama, a Secretaria Estadual do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Sema-RS) e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) não enviaram nenhum representante para debater com as comunidades envolvidas.

Coordenador da audiência pública, o deputado estadual Zé Nunes (PT), criticou a postura das empresas e dos órgãos públicos de se recusar a participar de um debate sobre empreendimentos que têm um forte impacto ambiental. As ausências, assinalou ainda o parlamentar, reforçam as reclamações das comunidades da bacia do Camaquã e de São José do Norte sobre o fato de não estarem sendo ouvidas pelos órgãos licenciadores. Vereador em São José do Norte, Luiz Bravo Gautério (PT) lembrou que essa ausência se repetiu na audiência pública realizada em 2017 naquele município. Naquela ocasião, relatou, o Ibama justificou sua ausência dizendo que não tinha como enviar representantes a São José do Norte em função de cortes orçamentários na instituição. “Se não tem recursos para participar de uma audiência pública, como é que eles vão fiscalizar depois as obras?” – questionou Gautério. Para o vereador, essa não participação é estratégica: “não querem conversar com a população”.

Coordenador da audiência, deputado Zé Nunes criticou postura das empresas e dos órgãos ambientais. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

As ausências dos órgãos ambientais enfraqueceram um dos principais argumentos apresentados pelos dois defensores dos projetos de mineração que participaram da audiência: os prefeitos de Caçapava do Sul, Giovani Amestoy (PDT), e de Santana de Boa Vista, Ito Freitas (PT). Os dois municípios estão na área abrangida pelo projeto Caçapava do Sul, da Votorantim Metais, quer extrair chumbo, zinco, cobre, prata e talvez ouro em uma área localizada às margens do rio Camaquã.

Ambos os prefeitos apontaram os problemas econômicos enfrentados por seus municípios como justificativa para aprovar os empreendimentos de mineração. “Santana de Boa Vista tem 8.400 habitantes, o menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do Rio Grande do Sul e uma taxa de emprego negativa. Eu defendo a posição da ampla maioria da população que é favorável ao projeto. Em relação às outras questões, acredito nos órgãos ambientais”, disse Ito Freitas. Na mesma linha, Giovani Amestoy disse que a metade sul permanece uma região pobre e subdesenvolvida, ao contrário dos municípios do norte do Estado. “Temos que pensar o lado econômico. Precisamos gerar emprego e renda para a nossa população. Deixo o lado ambiental para os órgãos ambientais. A esfera técnica deve ser restrita a estes órgãos”.

Prefeitos de Caçapava do Sul, Giovani Amestoy (PDT) e de Santana de Boa Vista, Ito Freitas (PT), defenderam projetos de mineração. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

No entanto, a confiança manifestada pelos prefeitos nos órgãos ambientais não se traduziu na presença dos mesmos na audiência pública para debater uma série de questionamentos e problemas técnicos apontados por moradores, pesquisadores de universidades e pelo Ministério Público Estadual.

Moradora de Palmas e integrante da União Pela Preservação do Camaquã, Márcia Collares questionou as promessas de progresso das mineradora, lembrando o que aconteceu recentemente em Mariana, Minas Gerais, e em Barcarena, no Pará. “Nós também conhecemos de perto o que significam essas promessas. Tivemos uma experiência direta. A CBC contaminou o Camaquã em 1988 e 1989 e o rio sofre até hoje os prejuízos. Foi uma tristeza ver os peixes desaparecendo. Nós vamos lutar até o fim, enquanto tivermos uma gota de sangue, contra esse projeto. Não queremos que o Rio Grande do Sul se torne um canteiro de mineração.

Elizete Amorim, da Cooperativa de Agricultores Familiares de São José do Norte, também fez um relato da posição contrária de agricultores e pescadores artesanais daquela região ao projeto da empresa Rio Grande Mineração S/A que pretende explorar titânio e outros metais pesados numa região de restinga localizada entre a Lagoa dos Patos e o Oceano Atlântico. “São José do Norte não quer essa mineradora. Vivemos em um solo oceânico. Não estamos na beira do oceano, somos parte do oceano. Não acredito que o estudo que acompanha esse projeto tenha saído de dentro das universidades. Para onde irão os pescadores, os agricultores, os nossos animais? Onde vamos plantar, pescar, colocar nossas vacas de leite e criações de galinhas?” – perguntou a agricultura.

Elizete Amorim, de São José do Norte: “não estamos na beira do oceano, somos parte do oceano”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), Francisco Milanez, também questionou as promessas de desenvolvimento das empresas mineradoras. “Estamos muito preocupados com o que está acontecendo aqui no Estado. Empresas como a canadense I Am Gold são famosas piratas da mineração. A Votorantim está entre as empresas que mais provocaram destruição ambiental em São Paulo e agora quer vir destruir aqui. Nós queremos fornecer minérios para um mundo que está desperdiçando minérios? Esses projetos de mineração tem uma vida de 15 a 20 anos e depois vão embora deixando, muitas vezes, um rastro de contaminação e destruição ambiental”.

Doutor em educação ambiental pela Universidade Federal do Rio Grande (Furg) e pesquisador do Observatório dos Conflitos Urbanos e Socioambientais do Extremo Sul do Brasil, Caio Floriano dos Santos chamou a atenção para os inúmeros problemas e erros técnicos envolvendo o projeto Retiro. Ele citou alguns exemplos: “Os dois processos (Camaquã e São José do Norte) têm erros graves e grosseiros. Precisaria de uns dois dias para falar de todos eles. Eles fizeram, por exemplo, uma amostragem de fauna em uma área de pinus, o que significa que não queriam encontrar nenhuma fauna. Além disso, a definição de área direta e área indireta a serem impactadas é totalmente aleatória. O projeto diz que os pescadores não serão afetados. O seu Dinarte, que está aqui na audiência, pode contar como a lavra vai chegar na porta da casa dele. Um princípio básico do licenciamento é ouvir a população, o que não aconteceu. Um senador deste Estado (Lasier Martins) se reuniu em um gabinete com o Ibama e, dias depois, saiu a licença prévia para a mineradora”.

Márcio Zonta: “A mineração tem implantado a barbárie em nível mundial”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

Márcio Zonta, integrante da coordenação nacional do Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM), veio a Porto Alegre participar da audiência pública e fez um relato de sua experiência de dez anos vivendo em zonas de conflito de mineração no Brasil, em outros países da América do Sul e na África. Zonta foi enfático em sua avaliação sobre a atividade das empresas desse setor. “A mineração tem implantado a barbárie em nível mundial. É a atividade econômica que mata quatro vezes mais do que qualquer outra no Brasil. Em geral são grandes empresas transnacionais que acabam seqüestrando os estados e seus órgãos ambientais como está ocorrendo agora com o Ibama. Como estamos vivendo um estado de exceção no Brasil, as mineradoras querem se aproveitar dessa situação para implementar seus projetos de qualquer jeito. Historicamente no Brasil, assim como em outros países da América do Sul e da África, sempre foi uma mineração de saque, sem a participação da população”.

A coordenadora do Núcleo de Resolução de Conflitos Ambientais do MPE, Anelise Grehs, chamou a atenção para o Plano Estadual de Mineração que está sendo elaborado pelo governo José Ivo Sartori, sem a participação da sociedade até aqui. “Eu me convidei para participar para conseguir ter acesso a algumas informações. É um plano dividido em vários eixos que estão sendo construídos pelas próprias empresas. Seria bom que esse plano fosse objeto de audiências públicas como esta”, assinalou. A promotora relatou que, na última reunião sobre o Projeto Caçapava do Sul, realizada em dezembro de 2017, foi recomendada a reelaboração do termo de referência visando o licenciamento, em função de vários problemas.

Promotora Anelise Grehs: “Nossa posição é que tem que se começar tudo de novo”. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)

“Nossa posição é que tem que se começar tudo de novo. Há um consenso entre o Ministério Público Estadual e o Ministério Público Federal que a área de influência do empreendimento tem que abarcar todos os municípios que podem sofrer influências negativas indiretas deste empreendimento”, afirmou Anelise Grehs.

O deputado federal Henrique Fontana (PT) anunciou que encaminhará um requerimento para a convocação do presidente do Ibama e do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, para que eles apresentem e justifiquem os critérios técnicos que embasaram a concessão da licença prévia para o projeto de mineração em São José do Norte. “A mineração é uma atividade de altíssimo impacto ambiental e de risco. Por isso, recomenda que apliquemos ao limite o princípio da precaução. Compreendo o drama do gestor que luta para gerar empregos, mas isso não pode ser um vale conduto para qualquer atividade. Os empregos de Mariana se tornaram uma tragédia mundial”, disse o deputado.

Mais imagens da audiência pública

Foto: Guilherme Santos/Sul21
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Luiz Gautério, vereador de São José do Norte. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
Caio Floriano, pesquisador da FURG. (Foto: Guilherme Santos/Sul21)
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