Muito além do Enem: conheça o Inep, órgão do MEC que teve 36 pedidos de exoneração em protesto coletivo
RIO - Órgão vinculado ao Ministério da Educação (MEC), o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) exibiu publicamente sua crise, com o pedido de exoneração de 36 servidores técnicos em uma semana, após um longo processo de desgaste interno. Conhecido por ser responsável pelo Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), o órgão tem ainda atuação central no desenvolvimento da educação no país.
— O risco imediato é o Enem. O risco maior é o Saeb — avalia João Marcelo Borges, pesquisador do Centro de Desenvolvimento da Gestão Pública e Políticas Educacionais, da Fundação Getulio Vargas (FGV/DGPE).
Saeb é o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica, um conjunto de avaliações externas em larga escala que permite ao Inep realizar um diagnóstico da educação básica brasileira e de fatores que podem interferir no desempenho do estudante.
Os exames são realizados de dois em dois anos e a edição de 2021 será a primeira após o abalo no sistema educacional causado pela pandemia de Covid-19. As provas são aplicadas entre novembro e dezembro para 6 milhões de estudantes, e os resultados só saem em 2022 com a divulgação do Índice Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb).
— O Saeb é o único termômetro em nível nacional para entender e avaliar objetivamente os níveis de aprendizagens de alunos em toda a educação básica. A pior coisa que poderia nos acontecer é perder a confiança nele — afirma Borges.
Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed) já apresentou preocupações sobre a aplicação deste ano. De acordo ele, há informações de que as provas do Saeb só chegarão no dia 22 de novembro em alguns estados. A data, após a aplicação do Enem, pode esvaziar a avaliação, afirma.
As escolas públicas (com mais de dez alunos) de 5º e 9º ano do ensino fundamental e de 3ª e 4ª série do ensino médio serão avaliadas em língua portuguesa e matemática. Essas mesmas etapas da educação básica serão avaliadas em formato amostral nas escolas privadas. Também serão aplicadas provas de língua portuguesa e matemática para o 2º ano do ensino fundamental em uma amostra de escolas públicas e particulares.
O Saeb ainda avaliará, de forma amostral, as áreas de ciências humanas e ciências da natureza no 9º ano do ensino fundamental, em escolas públicas e particulares.
Outras funções
Além disso, o Inep também é responsável de elaborar diferentes métricas para a distribuição de recursos públicos com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb).
O trabalho, segundo o Consed, está atrasado: “O Inep não conseguiu apresentar à Comissão Intergovernamental de Financiamento da Educação Básica os estudos determinados por lei para as decisões sobre a distribuição dos recursos. A comissão é responsável pelos fatores de ponderação do Fundeb e a falta dos estudos prejudicou a decisão de estados e municípios em 2021”, diz o conselho, em nota.
O órgão também tem difentes núcleos de pesquisadores responsáveis por avaliar, por exemplo, programas do próprio Ministério da Educação. Essa atuação também tem sofrido interferências do comando do instituto.
Em maio deste ano, uma carta divulgada por ex-coordenadores do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic) critica a decisão do governo de não tornar público um estudo que traz evidências de resultados positivos da política, lançada em 2012, no governo de Dilma Rousseff (PT).
Em artigo no jornal Nexo, Alexandre André dos Santos, pesquisador do Inep responsável pelo estudo, afirmou que a pesquisa demonstrou que quanto maior a proporção de professores participantes do Pnaic, maior a média da pontuação de seus estudantes na Avaliação Nacional de Alfabetização (ANA) em linguagem e matemática.
No mês passado, o presidente do Inep, Danilo Dupas, vetou a publicação de outra publicação, dessa vez a educação superior brasileira, segundo o colunista de O GLOBO Lauro Jardim. Com mais de 900 páginas, em três volumes, ele foi produzido entre 2019 e 2020 e tinha a divulgação prevista para 2021. Entretanto, assim que chegou ao instituto, Dupas a desautorizou.
Para ter mais controle sobre as publicações, Dupas dissolveu os comitês editoriais das duas revistas científicas do Inep, a Rbep e Em Aberto. Os trabalhos estão parados, correndo-se o risco descontinuidade das edições no próximo ano, quando o instituto celebra 85 anos de existência.
Em uma nota técnica, servidores da Coordenação de Editorações e Publicações (COEP) afirmam que os estudos elaborados dentro da autarquia seguem o "Manual da Linha Editorial do Inep", que apresenta o fluxo isonômico para todas as publicações. E dizem que a criação de novas regras deveria ser antecedida de debate interno. A nota técnica foi encaminhada à Diretoria de Estudos Educacionais (Dired), do Inep.
"Pode-se, sim, pensar uma política editorial, mas não há necessidade de se fazer isso sem que haja amplo debate, porque as decisões atualmente são de gestores de alta responsabilidade institucional", diz um trecho do documento.
Falhas no Enem
Na face mais visível da atuação do Inep, a aplicação do Enem, o órgão tem falhado sistematicamente durante a gestão Jair Bolsonaro. No primeiro ano, o exame teve o maior erro de correção da história do exame. Foram identificados problemas em 5.974 provas – 96,7% estavam concentrados em 4 cidades: Alagoinhas (BA); Viçosa (MG); Ituiutaba (MG) e Iturama (MG).
No ano passado, o exame teve o maior número de abstenções da história. O índice alcançou a casa de 55,3% dos inscritos com a prova realizada no meio da pandemia. O registro de 29.555 mortes daquele mês só não ultrapassava os picos de junho e julho de 2020, com 31.627 mortes . O mês foi também, à época, o maior em número de novos casos, com 1.386.005 pessoas contaminadas pela Covid no país.
Por fim, o exame que começará a ser aplicado no próximo dia 21 já teve o menor número de inscritos da história. O MEC não havia autorizado a inscrição gratuita a quem faltou ao último exame, de 2020, por causa da pandemia de coronavírus.
Com isso, o Enem deste ano teria apenas 3,1 milhões de candidatos, o menor número desde 2005. Entidades civis, como a Educafro, entraram na Justiça e conseguiram a reabertura das inscrições para garantir a isenção a quem faltou no ano anterior, o que conseguiu mais 300 mil participantes.
Com a saída dos 31 servidores, o clima no Inep é de incertezas em relação à prova. Entre os que deixaram o cargo, há técnicos com vasta experiência na realização do exame e que ocupavam postos estratégicos, como Helio Junior Morais, que coordenava a logística e monitoramento da aplicação do Enem.
O Ministério da Educação (MEC) afirmou nesta segunda-feira que o cronograma do Enem está mantido e não será afetado pelos pedidos de exoneração em massa de coordenadores do Inep.