O redator acomodado que se apresenta como repórter

27 de dezembro de 2017 820

Marcos Faerman, o Marcão, não poupava esforços por uma boa história; ele faleceu em 1999

Porto Velho, RO – Há livros e livros. Alguns são devorados em pouquíssimo tempo. Outros tantos, de tão saborosos, são degustados devagarzinho, de modo intercalado.

 

No começo de novembro citei no artigo JBC de Rondônia (quase) adivinhou o tema do ENEM: saiba que tipo de bruxaria está por trás disso o presente que recebi de minha amada mãe.

Jornalistas Literários – Narrativas da vida real por novos autores brasileiros é uma obra maravilhosa e instigante, que pinça visões e estilos dos mais variados literatos das redações ou fora delas.

Homens e mulheres de talento que, muito além da escrita, detêm a arte de construir textualmente – com maestria ímpar – cenários que ultrapassam os limites superficiais daquilo que os olhos podem enxergar fisicamente. Embora seja um livro acadêmico e na academia seja possível, com certeza, lapidar o talento nato de reportar em termos minuciosamente descritivos, nada substitui ou acrescenta com o mesmo rigor o que já está enraizado essencialmente.

Escrever é, portanto e antes de qualquer coisa, aptidão natural.

A partir daí, obviamente, deve ser aprimorada – preferencialmente com muita, mas muita, muitíssima leitura e convivência. Sair da zona de conforto, então, é salutar ao ofício aos que querem dar os próximos passos sem vacilar; um redator não chega ao status de repórter com o corpo frio dos ventos do ar-condicionado, nádegas comprimidas pelo assento jornalístico, sem a rouquidão dos questionamentos intermitentes e incólume dos calos campais. Não é repórter quem não corre riscos, quem não incomoda, quem não recebe uma única ameaça, quem não fere interesses escusos.

A reportagem não é pra qualquer um. E ainda me dói a consciência quando minhas credenciais tentam trapacear tanto a mim quanto a quem as recebe. Resumindo, eu não sou repórter, ainda que esteja reiteradamente tentando produzir.

Repórter era – e ainda é como ideia vivíssima – o falecido Marcos Faerman, o Marcão, retratado por Isabel Vieira em glórias e desgraças na reportagem biográfica Marcos Faerman, o humanista radical, fenomenal abre-alas deJornalistas Literários. Marcão defendeu até o último suspiro as grandes reportagens, mesmo quando passou a contrariar os interesses empresariais que se moldaram aos novos tempos de celeridade e produção de péssimo conteúdo para encher linguiça em detrimento à qualidade editorial.


A defesa intransigente da leitura contra sínteses e desculpas esfarrapadas

O conhecia por cima, de reputação. Agora, o admiro e passei a buscar seus textos como fonte de inspiração à plenitude jornalística.

Trecho de sua história em aspas abertas pelo professor Fabio Camarneiro representa manifesto contrário a tudo aquilo que detesto nos novos tempos, algo que há pelo menos duas décadas já era tendência mesmo nos impressos: a desculpa esfarrapada de que o leitor não tem tempo para ler.

A isto, Faerman, o docente universitário sem diploma, contestava. Para ele, era como dizer que fulano não tem tempo para respirar, ou que outro não come há seis meses porque não deu tempo. Essas banalizações externas, incorporadas por profissionais internamente sem a mínima contestação, ajudaram a contribuir com a banalização da atividade jornalística no Brasil. É necessário nutrir alguma utopia para reavivar o sonho de enxergar nos veículos de comunicação o retorno das grandes reportagens, extremamente necessárias à manutenção da ordem social. Até lá, chamemos as coisas pelos seus devidos nomes. 

VISÃO PERIFÉRICA

POR: VINICIUS CANOVA